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Eu moro aqui, trabalho aqui, vivo aqui, mas tenho a cabeça lá”: famílias transnacionais, redes e cuidado entre migrantes venezuelanos.

I live here, I work here, but my mind is there”: transnational families, networks and care among Venezuelan migrants.

Resumo

Famílias venezuelanas atravessadas pela migração são impactadas pelas condições de saúde daqueles que ficaram em seu país. Nesse contexto, famílias transnacionais produzem redes que atuam à distância e auxiliam o acesso de familiares a medicamentos ou atendimentos em saúde. A partir de uma pesquisa etnográfica realizada em São Paulo, o presente artigo tem por objetivo abordar o fenômeno de circulação do cuidado em redes de famílias transnacionais. Descreve as condições particulares da migração venezuelana, os arranjos que migrantes realizam e aspectos de reciprocidade. Por fim, os impactos causados pelo fechamento de fronteiras para a contenção da Covid-19 são elencados como forma de refletir sobre as necessidades de famílias transnacionais no acesso a meios que garantam e facilitem o cuidado à distância seguro e eficaz.

Palavras-chave:
famílias transnacionais; circulação de cuidado; migrações transnacionais; migrações venezuelanas

Abstract

Separeted venezuelan families are impacted by the health conditions of those who remained in the country. In such context, transnational families produce networks that operate remotely to help family members access medication or health care. Based on an ethnographic research carried out in São Paulo, this article aims to address the phenomenon of circulation of care in venezuelan transnational families. It describes the particular conditions of Venezuelan migration, arrangements that take place in venezuelan transnational families and aspects of reciprocity. Finally, the impacts caused by the closure of borders to contain Covid-19 are listed in order to reflect on the rights and needs of transnational families in accessing safe and effective remote care.

Keywords:
transnational families; circulation of care; transnational migrations; Venezuelan migrations

Introdução1 1 Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo n. 2021/06792-2) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo n. 403913/2021-7). Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 0001.

Rosa2 2 Todos os nomes de interlocutores desta pesquisa foram anonimizados. é uma mulher venezuelana de 41 anos, desempregada, que vive no Brasil desde 2018. Possui duas irmãs, que moram no Chile e na Argentina, e sua mãe, já com mais de 70 anos de idade e que ainda vive na Venezuela, em Puerto Ordaz, estado Bolívar. Rosa e suas irmãs auxiliam sua mãe com remessas e envios para conseguir medicamentos e manter seu tratamento para diabetes e controle da pressão arterial. Rosa é capaz de listar de memória os nomes, a dosagem e a frequência de uso de todos os sete medicamentos que sua mãe necessita, mais um antialérgico que sua vizinha na Venezuela também utiliza e que por vezes a ajuda a conseguir.

Sem um emprego fixo, Rosa tem dificuldade de ajudar sua mãe e depende de suas irmãs assumirem uma parte maior das remessas para conseguir garantir sua subsistência e saúde. Mesmo com as dificuldades materiais, mantém laços de proximidade com seus familiares e assume de forma constante um outro papel, que considera ser de apoio emocional. Após entrevista realizada pela internet referente aos arranjos construídos por sua família à distância, Rosa espontaneamente enviou fotos de sua mãe via whatsapp, descrevendo-a como uma mulher ativa e vaidosa (coqueta) e discorreu sobre como tem ajudado mesmo sem ter uma fonte permanente de renda:

Eu sei que posso ajudar ela ligando para ela, enviando alguma mensagem durante o dia. Sim, assim posso ajudar, (ela) não se sente sozinha. Ainda está sozinha em casa. Envio foto da família, dos meus filhos. Mas assim, ainda o apoio é só emocional. (Rosa, entrevista em outubro de 2020)

Rosa e suas irmãs mantêm fortes vínculos com sua mãe e auxiliam sua saúde por meio de uma rede constantemente negociada e alterada por conta de suas condições de vida no Brasil, Chile e Argentina, seus contatos na Venezuela e o andamento da crise que acomete seu país de origem. Seu relato, assim como o de outras pessoas que participaram da pesquisa que embasa este artigo, é permeado por questões que impactam migrantes venezuelanos que possuem familiares em seu país de origem, em especial pais ou avós dependentes de tratamentos para condições crônicas de saúde.

O presente artigo tem por objetivo abordar as redes de famílias transnacionais venezuelanas no Brasil que empreendem a manutenção de saúde daqueles que permaneceram na Venezuela. A partir da literatura sobre famílias transnacionais e a circulação do cuidado entre seus membros, este artigo se estrutura a partir dos seguintes temas: a) as condições particulares da migração venezuelana que criaram a necessidade de articulação em rede em famílias transnacionais; b) os diversos arranjos empregados por migrantes para mobilizar suas redes de suporte dentro e fora do Brasil, e c) os aspectos de apoio emocional e reciprocidade dentro das famílias transnacionais durante esses empreendimentos. Por fim, iremos refletir sobre os recentes impactos da pandemia de Covid-19 nas visitas, envios e remessas, bem como perspectivas para a garantia de saúde e (do exercício) de “ser família” a migrantes e familiares nesses contextos de distância e/ou vulnerabilidades.

Famílias transnacionais em perspectiva

Para Fonseca (2005FONSECA, Claudia. Concepções de família e práticas de intervenção: uma contribuição antropológica. Saúde e Sociedade, v. 14, n. 2, p. 50-59, 2005. , p. 54) “não há receita para definir os membros relevantes de uma rede familiar” e, mesmo em famílias geograficamente próximas, é preferível falar de “dinâmicas e relações familiares, ao invés de modelos e unidades familiares” (Fonseca (2005FONSECA, Claudia. Concepções de família e práticas de intervenção: uma contribuição antropológica. Saúde e Sociedade, v. 14, n. 2, p. 50-59, 2005. , p. 54). Tratar famílias a partir de seus processos auxilia, inclusive, para que nos afastemos de concepções biologizantes e etnocêntricas, em especial aquelas que focam na função reprodutiva de mulheres ou que estejam ancoradas na proximidade geográfica e fixação de seus membros. Sem desprezar o impacto que o distanciamento oferece a uma família atravessada pela migração, mobilidade e ausência são cada vez mais comuns à vida familiar no século XXI (Baldassar, Merla, 2014MERLA, Laura. La Circulación de Cuidados En Las Familias Transnacionales / The Circulation of Care in Transnational Families. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, n. 106/107, p. 85-104, 2014. ).

Famílias transnacionais são capazes de manter algum senso de coletividade e parentesco, apesar de estarem espalhadas em vários países. Essa ideia surge em oposição às interpretações pautadas somente pelo impacto negativo da distância, da mobilidade e, consequentemente, da migração internacional na reprodução social familiar (Bryceson, Vuorela, 2002BRYCESON, Deborah; VUORELA, Ulla. Transnational Families in the 21st Century. In: BRYCESON, Deborah; VUORELA, Ulla. Transnational Family: New European Frontiers and Global Networks. Oxford: Berg Publishers, 2002, p. 3-30.; Baldassar, 2007aBALDASSAR, Loretta. Transnational Families and the Provision of Moral and Emotional Support: the Relationship Between Truth and Distance. Identities, v. 14, n. 4, p. 385-409, 2007a., 2007b______. Transnational Families and Aged Care: The Mobility of Care and the Migrancy of Ageing. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 33, n. 2, p. 275-297, 2007b., 2014______. Too sick to move distant ‘crisis’ care in transnational families. International Review of Sociology - Revue Internationale de Sociologie, v. 24, n. 3, p. 391-405, 2014.; Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ; Lobo, 2014LOBO, Andréa de Souza. “Just bring me a little letter”: the flow of things in Cape Verde transnational family relations. Etnográfica, v. 18, n. 3, p. 461-480, 2014.; Santos, Meza, 2021SANTOS, Sandro Martins de Almeida; MEZA, Ivón José Lo Bianco. Para onde vou com a minha família? Uma etnografia sobre projetos coletivos e migração venezuelana em Manaus (Brasil). REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 29, n. 61, p. 179-194, 2021.). Indo mais além nas relações entre o parentesco e os sistemas migratórios, Machado (2014aMACHADO, Igor José de Renó. Migração, deslocamentos e as franjas do parentesco. Revista de Antropologia da UFSCar, v. 6, n. 2, p. 130-145, 2014a. , 2014b______. Uma antropologia da multiplicidade sobre as relações entre migrações e parentesco. In: II Evento RAU (Revista de Antropologia da Ufscar), São Carlos (SP), 2014b.) afirma que o parentesco afeta e é afetado pelas movimentações, a ponto de ser possível afirmar que ao movimento corresponde sua produção/reprodução.

Uma perspectiva que reconheça o movimento como parte integrante da vida familiar pressupõe uma noção de parentesco que advém de uma relação transpessoal, uma participação mútua da vida cotidiana. Naquilo que Sahlins (2013SAHLINS, Marshall. What kinship is - And is not. Chicago: The University of Chicago Press, 2013.) define como comunalidade do ser, laços de parentesco se manifestam entre “pessoas que pertencem umas às outras, que fazem parte umas das outras, que estão copresentes umas nas outras, cujas vidas estão ligadas e interdependentes” (Sahlins (2013SABOURIN, Eric. Marcel Mauss: da Dádiva à Questão da Reciprocidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, p. 131-138, 2008., p. 21, tradução livre).

O sistema de parentesco se assemelha, nesse sentido, ao sistema de dádivas (Viveiros de Castro, 2009VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. The Gift and the Given: three nano-essays on kinship and magic. In: BAMFORD, Sandra; LEACH, James. Kinship and beyond: The genealogical model reconsidered. Oxford: Berghahn Books, 2009, p. 237-268.; Sahlins, 2013SAHLINS, Marshall. What kinship is - And is not. Chicago: The University of Chicago Press, 2013.; Mauss, 2003MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. 1ª ed. São Paulo: Cosac e Naify, 2003. ), em que sua produção é atravessada pelas mais diversas formas de compartilhar a existência independentemente de haver ou não um vínculo consanguíneo. Uma vez que também acontece em relações fundamentalmente assimétricas, o parentesco se assemelha à troca de presentes, materiais ou simbólicos, como forma de produzir vínculos especiais entre os sujeitos e compreende relações construídas das mais diversas formas, inclusive aquelas criadas em contextos de mobilidade. O movimento deixa de ser uma exceção dentro do parentesco e, por conseguinte, um fenômeno essencialmente prejudicial.

Dentro dessa diversidade de relações e vínculos construídos e mantidos à distância em famílias transnacionais, a troca de cuidado ganha relevância na produção de um sentimento de unidade entre seus membros (Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ). A circulação do cuidado pode ser definida como um sistema de trocas recíproco e essencialmente assimétrico, que engloba as várias formas com que famílias de diferentes estratos socioculturais cuidam uns dos outros a despeito e através da distância que separam seus membros (Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ; Merla, 2014MERLA, Laura. La Circulación de Cuidados En Las Familias Transnacionales / The Circulation of Care in Transnational Families. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, n. 106/107, p. 85-104, 2014. ).

A lente da circulação do cuidado, regulada por uma “reciprocidade geral e assimétrica” (Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. , p. 6, tradução livre) dentro das redes de parentesco transnacionais é, portanto, ferramenta para a análise da manutenção da saúde de familiares de migrantes venezuelanos no Brasil. Colocar o cuidado no centro das análises sobre migração permite investigar aqueles que se movem, aqueles que são afetados por essa mobilidade e as relações entre sistemas políticos de migração e seus impactos na manutenção da vida familiar à distância (Torralbo, 2013TORRALBO, Hermínia Gonzálvez. Los cuidados en el centro de la migración. La organización social de los cuidados transnacionales desde un enfoque de género. Migraciones. Publicación del Instituto Universitario de Estudios sobre Migraciones, v. 33, p. 127-153, 2013., 2016a______. Os Cuidados na Migração Transnacional. Sur 24, v. 13 n. 24, p. 43-52, 2016a., 2016b______. Historia de una pregunta: consideraciones teórico-metodológicas para el análisis del género y el parentesco en la migración transnacional colombiana. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 14, n. 1, p. 617-629, 2016b.).

De forma a ser congruente com a postura dinâmica adotada em relação ao parentesco, faz-se necessário o reconhecimento das diversas formas de se produzir e trocar cuidado:

Essa abordagem baseia-se em uma visão multidimensional do cuidado que vai além do cuidado pessoal prestado a uma pessoa dependente, e que toma como unidade de análise a rede familiar como um todo. Isso revela a multiplicidade de atores e os papéis assumidos por eles na manutenção da solidariedade familiar em um contexto migratório (Merla, 2014MERLA, Laura. La Circulación de Cuidados En Las Familias Transnacionales / The Circulation of Care in Transnational Families. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, n. 106/107, p. 85-104, 2014. , tradução livre)

Dessa forma, entendemos o cuidado de forma ampla como um conjunto de práticas materiais, afetivas e psicológicas que buscam trazer respostas concretas às necessidades dos outros (Hirata, 2016HIRATA, Helena. O Trabalho De Cuidado: comparando Brasil, França e Japão. Sur 24, v. 13, n. 24, p. 53-64, 2016.; Mallimaci, Magliano, 2020MALLIMACI, Ana Inés; MAGLIANO, María José. Esperas y Cuidados. Reflexiones en torno a la gestión del tiempo de mujeres migrantes em dos espacios urbanos de Argentina. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 28, n. 59, p. 161-176, 2020. ). Mas para que possamos operá-lo em relação às famílias transnacionais, é importante traçarmos algumas delimitações. O cuidado em questão apresenta-se principalmente associado ao âmbito privado, fora dos circuitos remunerados, e intimamente vinculado ao cumprimento de uma “obrigação” ou “responsabilidade familiar” (Leira, Sarraceno, 2006LEIRA, Arnlaug; SARRACENO, Chiara. Care: actors, relationships, contexts. Sosiologi i dag, v. 36, n. 3, p. 7-34, 2006.), como veremos adiante. A família ainda é lugar predominante para a produção e troca de cuidado, cuja responsabilidade recai sobre seus membros, sobretudo mulheres (Hirata, 2016HIRATA, Helena. O Trabalho De Cuidado: comparando Brasil, França e Japão. Sur 24, v. 13, n. 24, p. 53-64, 2016.).

Mais ainda, trata-se de um cuidado que não se limita às práticas dependentes do contato ou presença física (Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ; Kilkey, Merla, 2014KILKEY, Majella; MERLA, Laura. Situating transnational families' care‐giving arrangements: the role of institutional contexts. Global Networks, v. 14, n. 2, p. 210-229, 2014.). Sua atuação envolve a troca de serviços ou de bens, aliado aos impactos de novas tecnologias de comunicação, e é central para a noção de circulação de cuidado em famílias transnacionais e de manutenção de laços. A circulação do cuidado em famílias transnacionais, nesse sentido, abrange uma variedade de práticas que congregam membros de uma mesma família vivendo à distância em redes intergeracionais de reciprocidade, confiança e amor, ao mesmo tempo que lidam com suas tensões, assimetrias e desigualdades internas (Baldassar, Merla, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ).

Não há, portanto, um tipo específico de família transnacional, definido em um conteúdo único e identificável. São as formas e práticas que contém sua reprodução em um contexto de deslocamento e distanciamento que fazem as famílias transnacionais serem observadas em sua particularidade, sendo umas delas a circulação do cuidado. Arranjos de cuidados à distância variam de acordo com a mobilidade/imobilidade dos membros de sua rede (Kilkey, Merla, 2014KILKEY, Majella; MERLA, Laura. Situating transnational families' care‐giving arrangements: the role of institutional contexts. Global Networks, v. 14, n. 2, p. 210-229, 2014.) que são, por sua vez, moldados pelos contextos institucionais que cercam os movimentos migratórios em questão. O contexto de escassez e crise no qual se deu o deslocamento de migrantes venezuelanos é essencial para analisarmos as práticas e arranjos produzidos.

Os movimentos migratórios venezuelanos para o Brasil

A migração venezuelana é, como em muitos outros casos que envolvem movimentos migratórios forçados, uma dimensão da crise que assola o país (Ribas, 2018RIBAS, Claudia Vargas. La migración en Venezuela como dimensión de la crisis. Pensamiento propio, v. 47, p. 91-128, 2018.). O colapso social, econômico e sanitário do país produziu o deslocamento de mais de sete milhões de pessoas (entre migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio) até dezembro de 2022 (ACNUR, OIM, 2023aACNUR, OIM. Refugiados y Migrantes Venezolanos en la Región. 2023a. Disponível em: <https://www.r4v.info/es/refugiadosymigrantes>.
https://www.r4v.info/es/refugiadosymigra...
), sendo a América Latina e o Caribe o destino de mais de 80% desses migrantes. No Brasil, são mais de 414 mil venezuelanos que entraram no Brasil até janeiro de 2023 (ACNUR, OIM, 2023b______. Plano de Resposta para Refugiados e Migrantes (RMRP). Plataforma Regional de Coordenação Interagencial (R4V). 2023b.), em sua maioria, pela fronteira com o estado de Roraima. Os dados, apesar de carecerem dos números de retornados ou daqueles que saíram com destino a outro país, mostram um dos mais importantes movimentos migratórios do Brasil nas últimas décadas.

Dentre as diferentes facetas da crise que assola o país, as questões de saúde que emergiram desde então se destacaram e se mantiveram como uma preocupação mesmo para aqueles que saíram da Venezuela. O sistema de saúde venezuelano, caracterizado por uma fragmentação histórica entre um sistema privado, público e previdenciário, e profundamente sensível às flutuações de seus recursos fixados pelas rendas extraordinárias de petróleo (Bonvecchio et al, 2011BONVECCHIO, Anabelle; BECERRIL-MONTEKIO, Victor; CARRIEDO-LUTZENKIRCHEN, Ángela; LANDAETA-JIMÉNEZ, Maritza. Sistema de Salud de Venezuela. Salud Publica de Mexico, v. 53, n. 2, p. 275-286, 2011.; Villasana, Caraballo, 2019VILLASANA, Pedro; CARABALLO, Joel. El Sistema de Salud en Venezuela y sus Políticas Públicas: Aportes para su Integración desde la Mirada de la Salud Colectiva. Salud de los Trabajadores, v. 27, n. 1, p. 51-64, 2019.; Roa, 2018ROA, Alejandra Carrillo. O Sistema de Saúde Na Venezuela: Um Paciente Sem Remédio?. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 3, p. 1-15, 2018.), sofreu de forma catastrófica com a crise econômica na segunda década do século XXI. Sanções internacionais aplicadas pelos Estados Unidos agravaram a situação e levaram o sistema de saúde venezuelano já colapsado a um ponto de não-retorno (Weisbrot, Sachs, 2019WEISBROT, Mark; SACHS, Jeffrey. Sanções Econômicas Como Punição Coletiva: O Caso da Venezuela. Washington: Center for Economic and Policy Research, 2019; Zakrison, Muntaner, 2019ZAKRISON, Tanya; MUNTANER, Carles. US Sanctions in Venezuela: Help, Hindrance, or Violation of Human Rights?. The Lancet, v. 393, n. 10919, p. 2586-2587, 2019.; Standley et al, 2020STANDLEY, Claireet al.Data and cooperation required for Venezuela’s refugee crisis during COVID-19. Global Health, v. 16, n. 103, p. 1-7, 2020.; Doocy et al., 2022DOOCY, Shannon; PAGE, Kathleen R.; LIU, Charissa; HOAGLUND, Hayley; RODRÍGUEZ, Daniela C. Venezuela: out of the headlines but still in crisis. Bulletin of the World Health Organization, v. 100, n. 8, p. 466-466A, 2022.).

O blecaute na vigilância em saúde, o fim de campanhas de vacinação, o declínio de recursos humanos e o desabastecimento de equipamentos, suprimentos e medicamentos em hospitais e farmácias em todo o país pioraram os indicadores de saúde da Venezuela. Portadores de doenças crônicas expuseram-se aos riscos da falta de acesso a serviços em saúde e casos de doenças preveníveis por vacina aumentaram, bem como outras doenças endêmicas infectocontagiosas (Rodríguez-Morales et al., 2019aRODRÍGUEZ-MORALES, Alfonso; SUÁREZ, José Antonio; RISQUEZ, Alejandro; CIMERMAN, Sergio; VALERO-CEDEÑO, Nereida; CABRERA, Maritza; GROBUSCH, Martin P.; PANIZ-MONDOLFI, Alberto. In the eye of the storm: Infectious disease challenges for border countries receiving Venezuelan migrants. Travel Medicine and Infectious Disease, v. 30, p. 4-6, 2019a.; Bagcchi, 2022BAGCCHI, Sanjeet. Yellow Fever and Infectious Diseases in Venezuela. The Lancet, v. 3, n. 2, E95, 2022.; Doocy et al., 2019DOOCY, Shannon; PAGE, Kathleen R.; DE LA HOZ, Fernando; SPIEGEL, Paul. Venezuelan Migration and the Border Health Crisis in Colombia and Brazil. Journal on Migration and Human Security, v. 7, n. 3, p. 79-91, 2019.).

Recentemente, a Covid-19 colocou o sistema de saúde venezuelano em uma situação ainda mais precária, aumentando exponencialmente também os riscos à população migrante (Daniels, 2019DANIELS, Joe Parkin. Venezuela in Crisis. The Lancet Infectious Diseases, v. 19, n. 1, p. 28, 2019., 2020______. Venezuelan Migrants ‘Struggling to Survive’ amid COVID-19. Lancet, v. 395, n. 10229, 1023, 2020. ). Migrantes chegam a países vizinhos com diversas demandas em saúde relacionadas tanto à privação de acesso a serviços básicos na Venezuela como ao deslocamento realizado em condições precárias (Arruda-Barbosa et al., 2020ARRUDA-BARBOSA, Loeste de et al. Reflexos da Imigração Venezuelana na Assistência em Saúde no Maior Hospital de Roraima: Análise Qualitativa. Saúde e Sociedade, v. 29, n. 2, p. 1-11, 2020.; Rodríguez-Morales et al., 2019aRODRÍGUEZ-MORALES, Alfonso; SUÁREZ, José Antonio; RISQUEZ, Alejandro; CIMERMAN, Sergio; VALERO-CEDEÑO, Nereida; CABRERA, Maritza; GROBUSCH, Martin P.; PANIZ-MONDOLFI, Alberto. In the eye of the storm: Infectious disease challenges for border countries receiving Venezuelan migrants. Travel Medicine and Infectious Disease, v. 30, p. 4-6, 2019a.; Rodríguez-Morales et al., 2019bRODRÍGUEZ-MORALES, Alfonso et al. The current syndemic in Venezuela: Measles, malaria and more co-infections coupled with a breakdown of social and healthcare infrastructure. Quo vadis?. Travel medicine and infectious disease, v. 27, p. 5-8, 2019b.; Page et al., 2019PAGE, Kathleen; DOOCY, Shannon; GANTEAUME, Feliciano Reyna; CASTRO, Julio. Venezuela's public health crisis: a regional emergency. The Lancet, v. 393, n. 10177, p. 1254-1260, 2019.).

Uma abordagem em saúde, migração e redes sociais

As intersecções entre os temas de saúde e migração são cada vez mais desafiadoras diante da complexidade dos movimentos migratórios globais a partir do século XXI (Granada et al., 2017GRANADA, Daniel; CARRENO, Ioná; RAMOS, Natália; RAMOS, Maria da Conceição Pereira. Discutir Saúde e Imigração No Contexto Atual de Intensa Mobilidade Humana. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 21, n. 61, p. 285-296, 2017.; Goldberg et al., 2015GOLDBERG, Alejandro; MARTIN, Denise; SILVEIRA, Cássio. Por um campo específico de estudos sobre processos migratórios e de saúde na Saúde Coletiva. Interface, v. 19, n. 53, p. 229-232, 2015.). O fenômeno da circulação de medicamentos na manutenção de saúde em famílias transnacionais venezuelanas transparece esse desafio na medida em que trata das condições de vida daqueles que partem e daqueles que ficam quando um projeto migratório atravessa uma família. Com o desabastecimento de insumos e medicamentos no país vizinho, famílias transnacionais se desdobram para garantir aos familiares que permaneceram na Venezuela acesso a medicamentos e serviços em saúde em um contexto de grave crise social, econômica, política e sanitária (Santos, 2021SANTOS, Sandro Martins de Almeida; MEZA, Ivón José Lo Bianco. Para onde vou com a minha família? Uma etnografia sobre projetos coletivos e migração venezuelana em Manaus (Brasil). REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 29, n. 61, p. 179-194, 2021.). Parentes que são portadores de doenças crônico-degenerativas ou em necessidade de tratamentos dos mais variados níveis de complexidade estimulam a criação de arranjos transnacionais protagonizados por familiares, muitas vezes em mais de um país, para fazer circular uma gama de recursos e serviços necessários para garantir sua saúde.

Os resultados apresentados neste artigo se baseiam em uma pesquisa etnográfica realizada na cidade de São Paulo entre 2020 e 2021 com migrantes venezuelanos que auxiliam ou auxiliaram de alguma forma familiares em seu país de origem no acesso a medicamentos ou serviços em saúde (Santos, 2021SANTOS, Sandro Martins de Almeida; MEZA, Ivón José Lo Bianco. Para onde vou com a minha família? Uma etnografia sobre projetos coletivos e migração venezuelana em Manaus (Brasil). REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 29, n. 61, p. 179-194, 2021.). A partir de uma abordagem de reconstrução de redes sociais como metodologia para desvelar as distintas formas de produção de bem-estar dentro e fora de círculos familiares (Portugal, 2014______. Família e redes sociais: ligações fortes na produção de bem-estar. Coimbra (POR): Almedina, 2014. , p. 11), a pesquisa utilizou-se de entrevistas semiestruturadas e as redes foram reconstituídas a partir de um ponto de vista egocentrado3 3 Há diferentes forma de reconstruir uma rede. Podemos distinguir entre aquelas que tentam alcançar a todos os seus membros e, dessa forma, construí-la por completo, e aquelas que partem de um único nó focal, chamado de ego. Essa última abordagem egocentrada parte de um indivíduo para buscar o conjunto de alters que se relacionam com ego e a medida dos laços que os ligam (Wasserman, Faust, 1994, p. 42). A abordagem egocentrada reconstitui a rede de relações desse indivíduo que possui centralidade na rede total de relações. Ao reconstituí-las, o pesquisador direciona seu foco na composição e estrutura das redes a partir do olhar do participante (Bilecen, 2021). Tal estratégia é muito comum, inclusive, em estudos sobre migração. Geralmente, uma rede egocentrada é utilizada em estudos de menor escala em sociedades e comunidades específicas (Fazito, 2002). No caso deste trabalho, entendemos, em adição, que a abordagem egocentrada ainda possui a capacidade de oferecer o ponto de vista daqueles membros que possuíam maior relevância na tomada de decisões e ações dentro da rede de manutenção de saúde e envio de medicamentos. , com o foco na composição e estrutura das redes a partir do olhar do participante (Wasserman, Faust, 1994WASSERMAN, Stanley.; FAUST, Katherine. Social network analysis: methods and applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 41; Fazito, 2002FAZITO, Dimitri. A Análise de Redes Sociais (ARS) e a Migração: mito e realidade. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto (MG), 4 a 8 de novembro de 2002. ; Wellman, 1988WELLMAN, Barry. Structural analysis: from method and metaphor to theory and substance. In: WELLMAN, Barry; BERKOWITZ, Stephen D. Social Structures: a network approach. Cambridge: Cambridge University, 1988, p. 19-61.; Portugal, 2007aPORTUGAL, Sílvia. Contributos para uma discussão do conceito de rede na teoria sociológica. In: Oficina do CES n.º 271. Coimbra, março de 2007a., 2014______. Família e redes sociais: ligações fortes na produção de bem-estar. Coimbra (POR): Almedina, 2014. , p. 69; Bilecen, 2021BILECEN, Basak. Personal Network Analysis from An Intersectional Perspective: How To Overcome Ethnicity Bias In Migration Research. Global Networks, v. 21, n. 3, p. 470-486, 2021.). As entrevistas, conforme sugerido por Portugal (2014______. Família e redes sociais: ligações fortes na produção de bem-estar. Coimbra (POR): Almedina, 2014. , p. 66) para compreender a morfologia da rede, almejavam identificar seus integrantes (quem?), os conteúdos instrumentais em circulação (o que?) e as normas presentes (como?).

Com o propósito de reconstruir as redes em questão a partir de uma perspectiva de reciprocidade e circulação de bens em famílias (Martins, 2005MARTINS, Paulo Henrique. A sociologia de Marcel Mauss: Dádiva, simbolismo e associação. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 73, p. 45-66, 2005. ; Mauss, 2003MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. 1ª ed. São Paulo: Cosac e Naify, 2003. ; Caillé, 1998CAILLÉ, Alain. Nem holismo nem individualismo metodológico. Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 38, p. 5-39, 1998.; Portugal, 2007b______. O que faz mover as Redes Sociais? Uma Análise Das Normas e Dos Laços. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 79, p. 35-56, 2007b., 2014______. Família e redes sociais: ligações fortes na produção de bem-estar. Coimbra (POR): Almedina, 2014. , p. 31), conceituamos redes sociais como um conjunto de unidades sociais e de relações, diretas ou indiretas, interagindo em cadeias de dimensão variável (Mercklé, 2004MERCKLÉ, Pierre. Sociologie des Reseáux Sociaux. Paris: La Découverte, 2004., p. 4). A escolha dos participantes se deu a partir de suas posições privilegiadas dentro da rede: homens e mulheres migrantes venezuelanos, adultos, com conhecimento suficiente sobre a situação de seus familiares e alguma capacidade para enviar recursos e mobilizar outros indivíduos (em especial, outros familiares). Os contatos foram realizados por meio do método de bola-de-neve (Goodman, 2011GOODMAN, Leo. Comment: On Respondent-Driven Sampling and Snowball Sampling in Hard-to-Reach Populations and Snowball Sampling Not in Hard-to-Reach Populations. Sociological Methodology, v. 41, n. 1, p. 347-353, 2011.; Heckathorn 2007HECKATHORN, Douglas. Extensions of Respondent-Driven Sampling: Analyzing Continuous Variables and Controlling for Differential Recruitment. Sociological Methodology, v. 37, n. 1, p. 151-208, 2007.) e finalizados a partir da saturação observada ao percebermos uma repetição de meios, técnicas e questões pertinentes apresentadas pelos participantes4 4 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o processo no. 26824219.8.0000.5505. .

Para chegar até os interlocutores da pesquisa, o pesquisador principal valeu-se de sua própria rede de contatos dentro de coletivos migrantes e de sua relação com atores na promoção dos direitos da pessoa migrante em São Paulo. A prospecção de participantes foi feita a partir de dois interlocutores iniciais, que indicaram novos potenciais participantes ao final de suas entrevistas. Por conta das restrições de mobilidade e aglomeração impostas pela pandemia de Covid-19, as entrevistas foram realizadas tanto presencialmente, durante o primeiro mês de 2020, quanto virtualmente, por meio de aplicativos de redes sociais como o whatsapp, google meets e zoom.

O isolamento dos pesquisadores e interlocutores e o engajamento do pesquisador principal na organização de ações emergenciais de apoio à população migrante no contexto da pandemia resultou em um contato mais prolongado no tempo com os participantes da pesquisa. Muitos buscaram auxílio e/ou compartilharam seus cotidianos e memórias após as entrevistas, como o caso de Rosa, introduzida no início do artigo. Desta forma, as entrevistas transcritas foram acrescidas por áudios e mensagens de whatsapp, registros fotográficos de familiares no Brasil e na Venezuela e propagandas de serviços de remessas e/ou envios de medicamentos, que compuseram o material final de análise da pesquisa realizada.

Ao todo, foram sete migrantes entrevistados, sendo cinco mulheres e dois homens. As entrevistas duraram de 40 minutos a 2 horas, a depender das condições do contato, especialmente em relação ao acesso à internet. As idades dos participantes variavam entre 35 e 50 anos de idade e, no momento da entrevista, três participantes trabalhavam como autônomos, dando aulas de espanhol online, três estavam desempregados e somente um possuía um emprego com carteira assinada. As entrevistas e as trocas de áudios por meio de aplicativos foram realizadas em espanhol, português ou ambos, a depender das preferências dos interlocutores para se comunicar. Todo o material, inclusive as mensagens de áudio, foram transcritas e traduzidas diretamente. As trocas de mensagens também ocorreram em espanhol e foram traduzidas e transportadas para um arquivo a parte.

As perguntas norteadoras, como tratado anteriormente, indicavam o caminho para a reconstrução da morfologia das redes e foram utilizadas para reconstituir os nós e os laços das redes de manutenção de saúde a partir de três etapas: identificação dos membros da rede, dos vínculos existentes, dos materiais e produtos que circulam, das técnicas empregadas e das regras existentes dentro de cada sistema. Ao final, foi possível delimitar alguns arranjos transnacionais específicos que ressaltam o caráter assimétrico comum à circulação do cuidado em famílias transnacionais.

Arranjos familiares transnacionais em contextos de crise

Segundo Soehl e Waldinger (2010SOEHL, Thomas; WALDINGER, Roger. Making the connection: Latino immigrants and their cross-border ties. Ethnic and Racial Studies, v. 33, n. 9, p. 1489-1510, 2010.), os três principais indicadores das relações transnacionais em famílias são remessas, viagens de visita e ligações de telefone (adicionamos aqui o contato via aplicativos de redes sociais, em especial o whatsapp). Em nosso campo de pesquisa, encontramos referências a esses três indicadores na realidade específica de migrantes venezuelanos, posteriormente impactados pelo contexto de crise econômica e social da pandemia de Covid-19.

Interlocutores da pesquisa, já estabelecidos na cidade de São Paulo, chegaram após longos processos de interiorização, realizados tanto por meio da Operação Acolhida, iniciativa do governo brasileiro capitaneada pelo exército, como por conta própria. Em entrevistas, demonstraram suas preocupações: pais e mães com idade avançada, mas também outros familiares distantes com necessidades em saúde. Maria, mulher venezuelana de 38 anos, resumiu essa situação em uma frase: “Eu moro aqui, trabalho aqui, vivo aqui, mas tenho a cabeça lá”. Sua mãe, diabética e hipertensa, necessita de tratamento crônico a base de medicamentos que, ao longo da crise venezuelana, se tornaram escassos e cada vez mais difíceis de encontrar. Assim como outros interlocutores, Maria conduziu diversos arranjos de redes que serão descritos adiante e que mudaram ao longo do tempo, mas que mantiveram seu propósito desde o princípio: manter a saúde da mãe mesmo à distância e em um contexto de crise.

Familiares na Venezuela constituem uma das principais motivações para a permanência de migrantes venezuelanos no Brasil (Vasconcelos, 2018VASCONCELOS, Iana dos Santos. Receber, enviar e compartilhar comida: aspectos da migração venezuelana em Boa Vista, Brasil. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 26, n. 53, p. 135-151, 2018.; Silva et al., 2020SILVA, Lediane Bento da; BARRETO, Fabrício; BARRETO, Tarcia Millene Almeida Costa. Saúde e Migração em Roraima: Rede Social Migratória e Impactos Psicossociais na Vida do Migrante Venezuelano Enquanto Trabalhador Informal. Saúde em Redes, v. 6, n. 3, p. 207-221, 2020.) e as questões de saúde e alimentação são as que mais se destacam. Essa busca por suprir as necessidades básicas e urgentes de suas famílias motiva uma série de laços entre aqueles que partem e aqueles que ficam e balizam, inclusive, a relação desses migrantes com os nacionais brasileiros (Vasconcelos, 2018VASCONCELOS, Iana dos Santos. Receber, enviar e compartilhar comida: aspectos da migração venezuelana em Boa Vista, Brasil. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 26, n. 53, p. 135-151, 2018.).

Logicamente, quando a gente tem a promessa de sair, a principal preocupação é a família que fica no país de origem. Aí, minha preocupação era minha mãe e, logicamente, a saúde dela. (Maria, mulher venezuelana, 38 anos, entrevista em setembro de 2020)

Nesse contexto, as transferências internacionais informais de dinheiro são uma das principais formas de manutenção dos laços familiares (Santos, Meza, 2021SANTOS, Sandro Martins de Almeida; MEZA, Ivón José Lo Bianco. Para onde vou com a minha família? Uma etnografia sobre projetos coletivos e migração venezuelana em Manaus (Brasil). REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 29, n. 61, p. 179-194, 2021.). Esse tipo de operação, realizada regularmente por empresas transnacionais como a Western Union, passam a ser feitas por operadores informais devido à crise econômica e à discrepância entre as taxas de câmbio do governo venezuelano e as taxas operadas pelo mercado paralelo. Durante a pesquisa, a maioria dos serviços regulares de transferência internacional de dinheiro não estava operando na Venezuela e os participantes recorriam a alternativas informais para conseguir enviar dinheiro para seus familiares.

Eles me mandam por whatsapp a taxa de câmbio do dia do mercado paralelo e a gente preenche um formulário. Devemos apresentar o número da conta da pessoa que vai chegar o depósito na Venezuela, fazemos uma transferência aqui no Brasil para uma conta brasileira, em reais, e lá na Venezuela minha mãe recebe o equivalente ao meu depósito em bolívares. (Maria, mulher venezuelana, 38 anos, entrevista em setembro de 2020)

Remessas vão além do envio de dinheiro em si. São importantes ferramentas de manutenção da teia que sustenta grandes movimentos migratórios (Tilly, 2007TILLY, Charles. Trust Networks in Transnational Migration. Sociological Forum, v. 22, n. 1, p. 3-24, 2007.), com especial importância para manutenção da coesão das relações familiares (Bryceson, 2022BRYCESON, Deborah. Transnational Families and Neo-Liberal Globalisation: Past, Present and Future. Nordic Journal of Migration Research, v. 12, n. 2, p. 120-138, 2022.). Uma vez que os recursos chegam ao seu destino, há toda uma mobilização de migrantes venezuelanos para auxiliar seus parentes a adquirirem um medicamento ou serviço em saúde em seu país de origem. Familiares dentro e fora da Venezuela aparecem como nós centrais da rede, principalmente na divisão dos custos. Irmãos dividem a responsabilidade de enviar dinheiro em um processo constantemente negociado. Há também, espalhados por diversos países, outros apoiadores, conectados em laços mais fracos: farmacêuticos e médicos, colegas de trabalho, companheiros amorosos, parentes distantes e amigos próximos ou distantes.

O envio de dinheiro por meio desses métodos informais foi observado em todos os participantes da pesquisa. A partir de 2018, é possível afirmar que a economia venezuelana se dolarizou informalmente e as cadeias de suprimentos, embora ainda muito frágeis, voltaram a uma normalidade: “Na Venezuela, agora, sim. Agora você pode comprar em dólares5 5 Mariana, mulher venezuelana, 41 anos, entrevista em abril de 2021. . Antes disso, entre 2016 e 2018, a grave escassez de medicamentos e suprimentos médicos na Venezuela, bem como a incessante inflação, havia inutilizado remessas e transferências de dinheiro. Nesse cenário, restavam os envios dos próprios medicamentos para a manutenção da saúde em famílias transnacionais.

Há duas etapas importantes no emprego dessa prática: a aquisição do medicamento e as diferentes formas de transportá-lo. Muitos migrantes venezuelanos dependiam de terceiros para obter medicamentos específicos que seus familiares necessitavam, principalmente médicos e farmacêuticos no Brasil e na Venezuela, tanto para obter as prescrições (para medicamentos que necessitavam de tal regulação) quanto para adquirir e transportar grandes quantidades para meses de tratamentos.

Uma vez que migrantes adquiriam os medicamentos no Brasil, em alguns casos sacrificando metade de sua renda total do mês, o segundo passo envolvia os meios para garantir a entrega. Muitos participantes tentaram inicialmente usar serviços de entregas regulares, como a empresa brasileira de correio público (Correios) ou outras empresas de entrega internacional. Além dos preços elevados, outro impedimento para os participantes, principalmente para os de menor renda, foi a falta de garantias que os pacotes chegassem de fato ao destino. Muitos interlocutores relataram desvio de conteúdo durante as entregas.

Uma alternativa para esses migrantes foi a entrega informal. Serviços prestados por terceiros, mediante pagamento, que atravessam a fronteira norte com as mercadorias e as entregam na Venezuela. Muitos participantes tiveram problemas com essa alternativa por conta da desconfiança e da dificuldade de acompanhar o serviço à distância. Outros relataram sucesso em enviar medicamentos diretamente para seu país por meio de amigos ou conhecidos viajando pela Venezuela e países vizinhos. Aqueles que possuíam capacidade financeira para fazê-lo, entregaram grandes quantidades de medicamentos por conta própria, viajando de volta para a Venezuela por alguns dias ou semanas. Viagens e entregas estão entre os arranjos essenciais para a circulação de cuidado em famílias transnacionais, ainda mais em contextos de crise (Baldassar, 2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. ; Kilkey, Merla, 2014KILKEY, Majella; MERLA, Laura. Situating transnational families' care‐giving arrangements: the role of institutional contexts. Global Networks, v. 14, n. 2, p. 210-229, 2014.) e dependem, em grande medida, de grandes recursos financeiros para que sejam realizados.

Pela pesquisa ter sido feita em São Paulo, distante a milhares de quilômetros da fronteira do Brasil com a Venezuela, é possível que os métodos utilizados para os envios sejam distintos na escala e na frequência daqueles mais comuns aos migrantes venezuelanos no norte do país, ainda que já tenham sido também observados em outras pesquisas (Santos, Meza, 2021SANTOS, Sandro Martins de Almeida; MEZA, Ivón José Lo Bianco. Para onde vou com a minha família? Uma etnografia sobre projetos coletivos e migração venezuelana em Manaus (Brasil). REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 29, n. 61, p. 179-194, 2021.). A finalidade desses empreendimentos complexos, porém, permanece a mesma: auxiliar pais e mães e outros parentes portadores de doenças crônico-degenerativas - como diabetes, hipotireoidismo ou câncer - a manter, ainda que de forma precária, tratamentos subitamente interrompidos.

Dentro do largo espectro de práticas que pudemos identificar, houve famílias que enviaram tratamentos inteiros de quimioterapia para o pai e outras que conseguiram enviar de vários países praticamente todos os insumos para uma cirurgia infantil a ser realizada na Venezuela. Foram operações em rede que envolveram familiares espalhados em diversos países, com médicos realizando consultas e prestando serviços à distância. Em relação às condições de transporte desses medicamentos, aqueles que foram identificados e listados na pesquisa não exigiam armazenamento especial ou refrigerado, o que facilitava o transporte em pequenas caixas. No entanto, há riscos como aumento de temperatura, umidade e luminosidade. A emergência descrita pelos participantes, por outro lado, não deixou opção melhor a não ser tentar o melhor serviço disponível.

Assim como as próprias entrevistas com os interlocutores da pesquisa foram impactadas pelo acesso desigual à internet, à linguagem digital e ao conhecimento de uso de aplicativos de comunicação, as redes familiares transnacionais são também impactadas pelas mesmas desigualdades. Mais ainda, inequidades no acesso à renda, emprego e contatos no Brasil também se mostraram decisivos para a manutenção de relações e, por consequência, o sucesso das redes em seu propósito de manter a saúde de familiares.

Assimetrias e obrigatoriedades em famílias transnacionais

Os esforços de manutenção de saúde de migrantes venezuelanos com seus familiares acontecem dentro de redes transnacionais constituídas por diferentes membros, em relações costuradas por laços fortes e fracos e com protagonismo acentuado para aqueles que compartilham vínculos de parentesco. Essas relações observadas são reguladas por diversas regras tácitas, principalmente dentro dos círculos familiares. Por trás da circulação de bens e serviços entre seus membros, há obrigações que devem ser compartilhadas entre todos. Neste sentido, a mais clara associação de contraprestação de cuidado em famílias transnacionais é vinculada às remessas de dinheiro, consideradas por quase todos como uma obrigação do descendente para com seus genitores.

É um dever como filho. É algo que tenho que fazer e vale a pena o esforço (…) mas é uma obrigação. Alguém faz isso porque deveria. E graças a Deus, por causa do meu trabalho, posso mandar dinheiro para ela comer e para os remédios. (Bryian, homem venezuelano, 51 anos, entrevista em abril de 2021)

Bryian deixa implícito o dever recíproco de cuidar de seus pais como forma de devolver um cuidado que lhe foi oferecido anteriormente. As remessas, nesse sentido, são a principal forma de cumprir com esse dever em um contexto de migração. Foi observado em todos os participantes sua importância para a manutenção de laços e aqueles que não conseguiam cumprir com essas obrigações demonstravam profunda preocupação e sofrimento.

Eu só posso ajudar em oração. Porque eu não tenho dinheiro (…) por exemplo, eu sei que (minha mãe) não está tomando Levotiroxina6 6 Nome da fórmula. Medicamento comumente utilizado para pessoas com hipotireoidismo. , porque é um remédio difícil de encontrar. Eu sei que ela não está aceitando; eu não posso me enganar. (Rosa, mulher venezuelana, 41 anos, entrevista em outubro de 2020)

Durante o processo de tentar manter a saúde de um parente na Venezuela, as responsabilidades dentro das famílias são reformuladas. Aqueles que possuem um emprego ou fonte de renda constante arcam com maiores responsabilidades em tarefas materiais, como remessas e transferências de dinheiro. Com o predomínio de subempregos e trabalhos informais, para muitos interlocutores as remessas eram enviadas de forma inconstante.

As remessas de dinheiro cumprem um papel prevalente quando se trata de um ideal de cuidado para interlocutores. Outros aspectos associados a essa prática podem permanecer a cargo de outros indivíduos e, muitas vezes, serem invisibilizados. César envia constantemente dinheiro para seus pais na Venezuela e tem sua irmã mais nova como intermediária para fazer as compras e cuidar de seus pais in loco, mas delimita de forma inequívoca seu papel de provedor.

A gente apenas é o provedor: “ah precisamos de dinheiro”. Manda dinheiro. E assim vai. “Ó, precisamos de tratamento maior, precisamos de mais dinheiro”. A gente só manda dinheiro. Ela (sua irmã) que cuida de perto da saúde deles. (César, homem venezuelano, 49 anos, entrevista em fevereiro de 2021)

Os relatos trazidos pelos participantes vão além das remessas e envios de mercadorias e medicamentos. Trata-se também da circulação de bens imateriais e simbólicos entre os membros das famílias, como os afetos e o apoio emocional (Martins, 2005MARTINS, Paulo Henrique. A sociologia de Marcel Mauss: Dádiva, simbolismo e associação. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 73, p. 45-66, 2005. ; Sabourin, 2008SABOURIN, Eric. Marcel Mauss: da Dádiva à Questão da Reciprocidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, p. 131-138, 2008.), que fazem parte do cuidado à distância como prática cotidiana. Alguns interlocutores, por exemplo, realizaram acompanhamento de tratamentos à distância, por meio de plataformas digitais de comunicação.

Eu perguntava para minha mãe “você mediu o açúcar hoje?” e eu exigia para minha mãe mandar uma foto da leitura do glucômetro. Ela respondia “ah, não estou com celular agora”, mas eu insistia. Eu controlava o nível de glicose da minha mãe à distância. Isso a deixava estressada, pois eu cobrava constantemente isso, e me estressava por ter que lembrar todo tempo. (Maria, mulher venezuelana, 38 anos, entrevista em setembro de 2020)

A disponibilidade e o acesso às novas tecnologias de comunicação, internet e meios de transporte de longa distância são essenciais para as práticas e a emergência do transnacionalismo “por baixo” em comunidades migrantes (Portes et al., 2010PORTES, Alejandro; GUARNIZO, Luis Eduardo; LANDOLT, Patricia. The Study of Transnationalism: Pitfalls and Promise of an Emergent Research Field. Ethnic and Racial Studies, v. 22, n. 2, p. 217-237, 2010.). Mais ainda, são indispensáveis para a manutenção de laços em famílias transnacionais (Madianou, 2016MADIANOU, Mirca. Ambient Co-Presence: Transnational Family Practices in Polymedia Environments. Global Networks, v. 16, n. 2, p. 183-201, 2016.) e pela circulação de cuidado entre seus membros (Baldassar, Merla, 2014BILECEN, Basak. Personal Network Analysis from An Intersectional Perspective: How To Overcome Ethnicity Bias In Migration Research. Global Networks, v. 21, n. 3, p. 470-486, 2021., p. 49). Essas atividades são comumente criadas e adaptadas em resposta às políticas econômicas e migratórias praticadas pelos Estados e as desigualdades em seu acesso foram determinantes para o sucesso da manutenção de saúde de familiares de interlocutores da pesquisa.

O contato cotidiano é parte da circulação do cuidado e importante contraprestação para migrantes. Seis dos sete entrevistados relataram manter contato diário ou no máximo a cada dois dias com familiares na Venezuela. A divisão desse cuidado, por sua vez, não raro era mantida nos termos de antes do processo migratório. Maria, por exemplo, possui dois irmãos que ainda vivem na Venezuela, mas seu protagonismo no cuidado de sua mãe permanece o mesmo depois de se mudar para o Brasil.

Quem cuidava da minha mãe totalmente lá na Venezuela era eu. Eu tenho meus irmãos, mas eles já estão adultos, têm seus problemas, têm suas famílias. Quem morava com minha mãe lá era eu. Eu comprei um apartamento na frente da casa da minha mãe para cuidar dela. (Maria, mulher venezuelana, 38 anos, entrevista em setembro de 2020)

Nem toda organização de famílias transnacionais é pautada somente por laços de solidariedade. Manipulações, vícios e fracassos podem também estar presentes no convívio à distância (Lobo, 2020______. Quando os (des)afetos ‘fazem famílias’. Não-Ditos, mentiras e fracassos nas trajetórias de migração em Cabo Verde. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 28, n. 60, p. 205-222, 2020.). Neste sentido, foi possível identificar em alguns casos uma tensão em relação ao papel das mulheres na circulação do cuidado em famílias transnacionais, consequência de um acúmulo de tarefas na divisão de gênero do cuidado dentro das famílias.

A circulação de bens, cuidados e afetos entre as mulheres é parte importante do suporte familiar transnacional. Envolvem a gestão familiar, a manutenção da saúde e um papel prevalente e desproporcional da mulher nas tarefas do cotidiano (Torralbo, 2016b______. Historia de una pregunta: consideraciones teórico-metodológicas para el análisis del género y el parentesco en la migración transnacional colombiana. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 14, n. 1, p. 617-629, 2016b.). Os papéis de gênero desempenhados por homens e mulheres antes da migração podem ser persistentes (Peres, Baeninger, 2012PERES, Roberta; BAENINGER, Rosana. Migração Feminina: um debate teórico e metodológico no âmbito dos estudos de gênero. In: XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Águas de Lindóia (SP), 19 a 23 de novembro de 2012. ) e as famílias transnacionais que resultam do deslocamento de seus membros para outros países também incluem a reprodução de práticas hierárquicas de gênero (Glick-Schiller et al., 1995GLICK-SCHILLER, Nina; BASCH, Linda; BLANC, Cristina Szanton. From Immigrant to Transmigrant: Theorizing Transnational Migration. Anthropological Quarterly, v. 68, n. 1, p. 48-63, 1995.; Glick-Schiller, 2006GLICK-SCHILLER, Nina. Teorização Feminina Sobre Nação e Estado. Caderno CRH, v. 13, n. 33, p. 113-142, 2006.).

No geral, o cuidado desempenhado dentro de círculos familiares é ignorado em relação à sua importância econômica (Leira, Sarraceno, 2006LEIRA, Arnlaug; SARRACENO, Chiara. Care: actors, relationships, contexts. Sosiologi i dag, v. 36, n. 3, p. 7-34, 2006.) e para a sustentação de vínculos, especialmente em contextos de crise. Mulheres migrantes assumem como parte integral de seus cotidianos tarefas de cuidado não-remunerado, especialmente dentro de suas redes familiares atravessadas pela migração (Mallimaci, Magliano, 2020MALLIMACI, Ana Inés; MAGLIANO, María José. Esperas y Cuidados. Reflexiones en torno a la gestión del tiempo de mujeres migrantes em dos espacios urbanos de Argentina. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 28, n. 59, p. 161-176, 2020. ). A divisão de gênero do cuidado encontrada em famílias transnacionais (Torralbo, 2013TORRALBO, Hermínia Gonzálvez. Los cuidados en el centro de la migración. La organización social de los cuidados transnacionales desde un enfoque de género. Migraciones. Publicación del Instituto Universitario de Estudios sobre Migraciones, v. 33, p. 127-153, 2013., 2016a______. Os Cuidados na Migração Transnacional. Sur 24, v. 13 n. 24, p. 43-52, 2016a.) foi observada nos relatos dos interlocutores, sobretudo das mulheres participantes da pesquisa que descreviam uma sobrecarga de trabalho, pautada, por um lado, na ideia da prevalência das remessas enquanto principal forma de produzir cuidado à distância, e, por outro, do não reconhecimento da importância de práticas cotidianas de comunicação e manutenção de vínculos afetivos e emocionais como parte essencial da circulação do cuidado.

A obrigatoriedade de dar e receber dentro das famílias dos interlocutores apareceu como importante alicerce de sustentação de suas ações. Os relatos dos participantes expõem desigualdades e percepções em relação à obrigatoriedade de contraprestação, quase sempre atravessados por suas motivações e sofrimentos durante a jornada migratória. Muitos dos casos apresentados anteriormente resultaram em conflitos e ressentimentos entre irmãos. Outras vezes, acabavam por reforçar laços de intimidade mesmo à distância.

A metodologia proposta, de reconstrução de redes sociais a partir de um ponto de vista egocentrado, acabou por dar o esperado enfoque nas práticas e relações dos migrantes, trazidas na forma de narrativas pessoais de superação que, ao mesmo tempo, também desvelam a falta de amparo na figura social e jurídica de famílias transnacionais, exacerbado pelo contexto da pandemia de Covid-19 que atravessou a pesquisa.

Impactos recentes da pandemia de Covid-19: direcionamentos para o direito a “ser família à distância” de forma segura, regular e eficiente

O contexto da crise econômica, social, sanitária e política da Venezuela moldava a experiência de ser uma família transnacional e as formas de circulação do cuidado entre seus membros, quando a pandemia de Covid-19 adicionou mais uma camada a este fenômeno. A população migrante é desproporcionalmente afetada pelas consequências sanitárias, sociais e econômicas da pandemia de Covid-19 (Kluge et al., 2020KLUGE, Hans Henri; JAKAB, Zsuzsanna; BARTOVIC, Jozef; D'ANNA, Veronika; SEVERONIA, Santino. Refugee and Migrant Health in the COVID-19 Response. The Lancet, v. 395, n. 10232, p. 1237-1239, 2020.; Orcutt et al., 2020ORCUTT, Miriam; PATEL, Parth; BURNS, Rachel; HIAM, Lucinda; ALDRIDGE, Rob; DEVAKUMAR, Delan; KUMAR, Bernadette; SPIEGEL, Paul; ABUBAKAR, Ibrahim. Global Call to Action for Inclusion of Migrants and Refugees in the COVID-19 Response. The Lancet, v. 395, n. 10235, p. 1482-1483, 2020.; Menezes, Aguiar, 2021MENEZES, Eduarda; AGUIAR, Bruna. O espaço das mulheres na pandemia de covid-19: uma análise entre agência e vulnerabilidade. Mural Internacional, Rio de Janeiro, v. 12, p. 1-18, 2021.; Martin et al., 2022MARTIN, Denise; INOUE, Silvia Regina Viodres; SILVEIRA, Cássio. Atenção em Saúde para Migrantes Internacionais em São Paulo, Brasil: Acesso e Universalidade No Contexto Da Pandemia de Covid-19. Revista del CESLA: International Latin American Studies Review, v. 29, p. 49-68, 2022.; Martuscelli, 2020MARTUSCELLI, Patrícia. Como Refugiados são Afetados pelas Respostas Brasileiras a COVID-19? Revista de Administração Pública, v. 54, n. 5, p. 1446-1457, 2020., 2021______. How Are Forcibly Displaced People Affected by the COVID-19 Pandemic Outbreak? Evidence From Brazil. American Behavioral Scientist, v. 65, n. 10, p. 1342-1364, 2021.; Yadav et al., 2020YADAV, Uday Narayan et al. A Syndemic Perspective on the Management of Non-Communicable Diseases Amid the COVID-19 Pandemic in Low- and Middle-Income Countries. Frontiers in Public Health, v. 8, n. 508, p. 1-7, 2020.). Isso implica também as consequências de boa parte das ações de contenção do vírus adotadas pelos Estados, principalmente aquelas que tratam da restrição de mobilidade e fechamento de fronteiras internacionais. Sem desprezar o papel essencial dessas ações de prevenção e contenção do vírus, é importante reafirmar também as sérias tendências de uso indiscriminado de suas diferentes modalidades como justificativa para avançar ainda mais em políticas anti-imigração (Ullah et al., 2020ULLAH, AKM; NAWAZ, Faraha; CHATTORAJ, Diotima. Locked up under Lockdown: The COVID-19 Pandemic and the Migrant Population. Social Sciences & Humanities Open, v. 3, n. 1, p. 1-6, 2020.; Guizardi, Dadalto, 2021GUIZARDI, Menara; DADALTO, Maria Cristina. A Pandemia e a Crise Internacional das Mobilidades Humanas. Simbiótica Revista Eletrônica, v. 8, n. 2, p. 1-10, 2021.; Sturm et al., 2021STURM, Tristan; MERCILLE, Julien; ALBRECHT, Tom; COLE, Jennifer; DODDS, Klaus; LONGHURSTD, Andrew. Interventions in Critical Health Geopolitics: Borders, Rights, and Conspiracies in the COVID-19 Pandemic. Political Geography, v. 91, p. 1-10, 2021.).

No caso brasileiro, vale ressaltar a insistência do governo em manter uma política exclusiva de fechamento da fronteira terrestre da Venezuela com o Brasil. A partir da Portaria da Presidência da República e Casa Civil nº 255, de 22 de maio de 2020, que estabeleceu de forma excepcional o impedimento de tráfego de qualquer pessoa proveniente da República Bolivariana da Venezuela por via terrestre, sucessivas portarias sobrepuseram-se ao longo dos primeiros anos da pandemia, sempre trazendo em seus artigos o impedimento de qualquer mobilidade humana por via terrestre de venezuelanos na fronteira norte do país. As portarias configuraram graves “aberrações jurídicas” (Fonseca et al., 2021FONSECA, Elisa et al. Pandemia: Sinais do Autoritarismo à Nossa Porta. Simbiótica Revista Eletrônica, v. 8, n. 2, p. 11-37, 2021.) e profunda regressão na ordem migratória brasileira, cujos efeitos ainda devem ser estudados com mais profundidade (Fonseca et al., 2021FONSECA, Elisa et al. Pandemia: Sinais do Autoritarismo à Nossa Porta. Simbiótica Revista Eletrônica, v. 8, n. 2, p. 11-37, 2021.). De toda forma, e ainda que seja justo debater sua necessidade em momentos críticos da pandemia, políticas de fechamento de fronteiras praticadas pelos governos impactaram severamente os arranjos de circulação de cuidado em famílias transnacionais que devem ser observados.

É o caso de Edgar, venezuelano nascido em San Cristóbal, no estado de Táchira, de 52 anos de idade e vivendo em São Paulo. Edgar costumava enviar dinheiro para sua mãe de 87 anos que vivia na Venezuela com sua irmã e um sobrinho. O dinheiro era essencial para que seus familiares pudessem comprar os medicamentos para hipertensão que sua mãe necessitava, além de alimentos para a família toda. O método usado por Edgar para fazer com que suas remessas chegassem até seus familiares era enviá-los por meio da Western Union para uma agência em Cúcuta, cidade colombiana vizinha de San Cristóbal. Sua irmã, portanto, realizava frequentemente uma pequena viagem até o país vizinho para receber o dinheiro que Edgar enviava e aproveitava para comprar itens de primeira necessidade que também eram escassos em seu país.

Com o início da pandemia e o fechamento da fronteira pelo governo colombiano, a operação construída pela família de Edgar tornou-se impossível e arriscada. A alternativa que lhe restou, o envio de dinheiro por meio de serviços informais e não regulamentados, mostrava-se mais cara e insegura. Sua narrativa demonstra como, em pouco tempo, a pandemia impactou a forma como circulavam as remessas (e o cuidado) na família de Edgar, essenciais para a manutenção da saúde de sua mãe e para a coesão de sua família separada pela migração. Os relatos se confundem com o de outros interlocutores, que se desdobravam para enviar medicamentos e/ou remessas financeiras para a Venezuela em um contexto de grave crise e que foram repentinamente atravessados, assim como a própria pesquisa, pela pandemia (Santos, 2021SANTOS, Nícolas Neves dos. Redes de manutenção em saúde e envio de medicamentos no contexto das migrações transnacionais venezuelanas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2021. ). Muitos migrantes sentiam os efeitos nas suas práticas cotidianas de cuidado à distância, somadas à crescente preocupação demonstrada com seus familiares em um contexto de avanço da doença sobre a América Latina e as inseguranças econômicas e sanitárias que vivenciavam no Brasil.

O fechamento de fronteiras tem impactos sociais, econômicos e geográficos resultantes da contenção da mobilidade de mercadorias, mão de obra, serviços e, especialmente, migrações humanas (Fonseca et al., 2021FONSECA, Elisa et al. Pandemia: Sinais do Autoritarismo à Nossa Porta. Simbiótica Revista Eletrônica, v. 8, n. 2, p. 11-37, 2021.). Neste sentido, devemos adicionar aqui também os severos impactos de políticas de restrição de mobilidade e fechamento de fronteiras em remessas e viagens, essenciais para a circulação de cuidado em famílias transnacionais. No Brasil, por exemplo, o fechamento de estabelecimentos considerados “não-essenciais” acabou por fechar também empresas de remessas internacionais, inviabilizando envios de dinheiro fundamentais para a manutenção da vida social em famílias transnacionais (Martuscelli, 2020MARTUSCELLI, Patrícia. Como Refugiados são Afetados pelas Respostas Brasileiras a COVID-19? Revista de Administração Pública, v. 54, n. 5, p. 1446-1457, 2020.).

Os artigos 32 e 47 da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (OIT, 1990Organização Internacional do Trabalho. Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Nova Iorque, 1990.) garantem o direito a remessas seguras e eficientes, a ser operacionalizado pelos Estados. A criação de marcos regulatórios de remessas ainda é um tema que pouco avançou nos últimos anos, a despeito de sua importância cada vez maior (Silva, Paluma, 2021SILVA, Bianca; PALUMA, Thiago. O Direito de Remessas Familiares Transnacionais Eficientes e Seguras: desafios à governança global migratória. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central, v. 15, n. 1, p. 149-168, 2021.).

Visitas, viagens e envios também fazem parte do arcabouço de técnicas de produção de bem-estar em famílias transnacionais que carecem, antes de tudo, do reconhecimento enquanto um direito de familiares separados em diferentes países de “ser uma família à distância”. Para Baldassar (2014BALDASSAR, Loretta; MERLA, Laura. Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London: Routledge, 2014. , p. 395, tradução livre), há uma necessidade cada vez mais emergente de se debater o “direito ao contato com familiares distantes e o acesso às tecnologias que garantam e facilitem o cuidado à distância”, com especial atenção à sobrecarga e dupla jornada realizada por mulheres nesses contextos.

Famílias transnacionais estão entre aqueles grupos que caíram em uma espécie de “limbo” durante a emergência do novo coronavírus (Nehring, Hu, 2022NEHRING, Daniel; HU, Yang. COVID-19, Nation-States and Fragile Transnationalism. Sociology, v. 56, n. 1, p. 183-190, 2022.). A pandemia mostrou “a fragilidade do transnacionalismo constituído e apoiado em processos políticos e governados pelos Estados” (Nehring, Hu, 2022NEHRING, Daniel; HU, Yang. COVID-19, Nation-States and Fragile Transnationalism. Sociology, v. 56, n. 1, p. 183-190, 2022., tradução livre) e revelou a vulnerabilidade de arranjos e redes constituídas por indivíduos e pautados por um transnacionalismo contemporâneo ainda profundamente dependente da governança e jurisdição dos Estados. A pandemia, em resumo, expõe uma “crise na reprodução do cuidado” (Muelle, 2021MUELLE, Camila. Tramas Transnacionales Del Cuidado: Una ‘Lucha Con Los Ángeles’, Teoría y Metáforas Sobre Cuidado y Migración. Antípoda. Revista de Antropología y Arqueología, v. 35, n. 43, p. 121-142, 2021.) e as políticas sanitárias focadas no fechamento de fronteiras e no controle da mobilidade humana, de mercadorias e de serviços resultaram na desarticulação das redes de famílias transnacionais e impactaram na circulação de cuidado em seus membros, sem que houvesse contramedidas efetivas.

Conclusões

Pessoas migrantes venezuelanas residentes em São Paulo empreenderam amplos arranjos de redes com o intuito de manter a saúde e produzir bem-estar à distância para parentes que “ficaram para trás”. Os arranjos para a manutenção de saúde são constantemente negociados entre os membros da rede, em especial familiares, e moldam-se ao longo da linha do tempo da crise venezuelana. Aspectos relacionados a inflação, oferta de medicamentos e serviços médicos determinaram as ações e técnicas empregadas. As redes em vários momentos chegaram a extrapolar os laços de consanguinidade, mobilizando amigos, vizinhos e prestadores de serviços.

Os arranjos identificados foram muito além das remessas de dinheiro e envios de medicamentos. Ligações, mensagens e viagens de visita, para os que possuíam meios financeiros de realizá-las, também compuseram as distintas práticas mobilizadas por migrantes para a produção de bem-estar. Todos esses arranjos e técnicas representaram, a sua maneira, uma forma de lidar com a falta de reconhecimento das condições de migração e de desenvolvimento de laços em contextos transnacionais. A vulnerabilidade de famílias transnacionais atravessadas pela crise venezuelana foi evidenciada por todos os interlocutores e reforçou a necessidade urgente de recursos financeiros como a principal, ainda que não seja a única, garantidora do sucesso dos seus arranjos.

Por fim, a pandemia de Covid-19 escancarou as contradições da falta do desenvolvimento coordenado de um sistema de proteção social transnacional entre os governos que garanta a sobrevivência, a saúde e o bem-estar daqueles que ficam presos no “limbo”. Produzir políticas de regulação de remessas seguras e confiáveis, fortalecer o acesso a tecnologias de comunicação e sopesar os custos de implementação de restrições de mobilidade humana para populações migrantes são exemplos de como produzir políticas que possam tirar famílias transnacionais dessa situação persistente de insegurança e volatilidade.

Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo n. 2021/06792-2) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo n. 403913/2021-7). Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 0001.

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  • 1
    Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo n. 2021/06792-2) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo n. 403913/2021-7). Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 0001.
  • 2
    Todos os nomes de interlocutores desta pesquisa foram anonimizados.
  • 3
    Há diferentes forma de reconstruir uma rede. Podemos distinguir entre aquelas que tentam alcançar a todos os seus membros e, dessa forma, construí-la por completo, e aquelas que partem de um único nó focal, chamado de ego. Essa última abordagem egocentrada parte de um indivíduo para buscar o conjunto de alters que se relacionam com ego e a medida dos laços que os ligam (Wasserman, Faust, 1994WASSERMAN, Stanley.; FAUST, Katherine. Social network analysis: methods and applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 42). A abordagem egocentrada reconstitui a rede de relações desse indivíduo que possui centralidade na rede total de relações. Ao reconstituí-las, o pesquisador direciona seu foco na composição e estrutura das redes a partir do olhar do participante (Bilecen, 2021BILECEN, Basak. Personal Network Analysis from An Intersectional Perspective: How To Overcome Ethnicity Bias In Migration Research. Global Networks, v. 21, n. 3, p. 470-486, 2021.). Tal estratégia é muito comum, inclusive, em estudos sobre migração. Geralmente, uma rede egocentrada é utilizada em estudos de menor escala em sociedades e comunidades específicas (Fazito, 2002FAZITO, Dimitri. A Análise de Redes Sociais (ARS) e a Migração: mito e realidade. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto (MG), 4 a 8 de novembro de 2002. ). No caso deste trabalho, entendemos, em adição, que a abordagem egocentrada ainda possui a capacidade de oferecer o ponto de vista daqueles membros que possuíam maior relevância na tomada de decisões e ações dentro da rede de manutenção de saúde e envio de medicamentos.
  • 4
    O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o processo no. 26824219.8.0000.5505.
  • 5
    Mariana, mulher venezuelana, 41 anos, entrevista em abril de 2021.
  • 6
    Nome da fórmula. Medicamento comumente utilizado para pessoas com hipotireoidismo.

Editores de seção

Roberto Marinucci, Barbara Marciano Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2023
  • Aceito
    18 Set 2023
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