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Immigrant Song: a mobilidade internacional de bandas de Heavy Metal

Immigrant Song: the international mobility of Heavy Metal bands

Resumo

O presente estudo objetiva analisar a mobilidade de bandas de Heavy Metal pelo mundo, valendo-se dos grupos que fizeram algum percurso migratório internacional no intuito de se inserirem no mercado musical. Para tal, a pesquisa buscou dados no site Metal-Archives, usados na construção de cartogramas e quadros, analisados conforme os conceitos de mobilidade migratória internacional e comunidade transnacional, permitindo chegar a alguns apontamentos gerais sobre fluxos do gênero musical. Os resultados indicam que as bandas migram preferencialmente para os grandes centros financeiros e artísticos do mundo, EUA e Reino Unido, e para países que se destacam na produção de algum subgênero específico do Metal.

Palavras-chave:
mobilidade internacional; imigração; Heavy Metal

Abstract

The present study aims to analyze the mobility of Heavy Metal bands around the world, using groups that have made some international migratory journey to enter the music market. To this end, the research sought data on the Metal-Archives website, used in the construction of cartograms and charts, analyzed according to the concepts of international migratory mobility and transnational community, allowing to arrive at some general notes on flows of the musical genre. The results indicate that bands preferentially migrate to the great financial and artistic centers of the world, USA and UK, and to countries that stand out in the production of a specific subgenre of Metal.

Keywords:
international mobility; immigration; Heavy Metal

Introdução1 1 O título do artigo faz alusão à célebre canção da banda inglesa Led Zeppelin, um dos grupos responsáveis pelas bases sonoras para o que viria a se tornar o Heavy Metal.

Nos idos da década 1970 surgiu na Inglaterra um novo grupo cultural, agregado pelo recém-criado estilo musical Heavy Metal. Fruto de uma conjuntura geopolítica e econômica pouco favorável, como lembra Silva (2014SILVA, Wlisses. Os incômodos perdedores: Heavy Metal no Brasil da década de 1980. Tese de Doutorado. São Paulo, USP, 2014.), este novo gênero musical rapidamente se alastrou pelo mundo, sobretudo dentre os jovens que constituíram a chamada “década perdida”. Diante a expectativa de vida oferecida na época, Andrade (2012ANDRADE, Pedro. A filosofia e os anos 60. Estudos Históricos, v. 25, n. 49, p. 13-30, 2012., p. 14) revela que esta geração estava vivendo um momento de passagem, que rumava “dos ideais de utópicos revolucionários que continham promessas grandiosas sobre o futuro para práticas menores de rebeliões críticas dentre do presente”. Esta contestação mais centrada de todo zeitgeist deixou vários marcos na história moderna, como a contracultura hippie, os protestos de 1968 na França e a criação do gênero musical que se habituou a denominar Heavy Metal.

Além de ser fruto do cenário crítico da virada de 1960 para 1970, o Heavy Metal se consolidou a partir de múltiplas referências musicais. Conforme o documentarista e antropólogo Sam Dunn (2011)METAL EVOLUTION. Direção de Sam Dunn; Scot McFadyen. 1 disco digital versátil (40 min. por episódio), DVD, son., color. 2011., algumas das bases artísticas para este gênero provém da Música Clássica, na sua virtuosidade e ousadia no manuseio dos instrumentos e de técnicas vocais que exigem grande esforço do seu locutor; do Blues, na adoção de temas que tratam do mal, da obscuridade ou da devassidão, na composição de riffs2 2 Riffs - se trata de uma progressão de acordes, intervalos ou notas musicais que são repetidos no contexto de uma música, formando sua base ou acompanhamento. e na usual voz rouca e gritada; do Jazz, principalmente dos bateristas que buscam cada vez mais velocidade e precisão no desempenho das batidas; e, evidentemente, do Rock, por sua posição rebelde e contrária ao conservadorismo e no aperfeiçoamento da distorção e amplificação da guitarra elétrica, algo iniciado por Link Wray em 1958 e realçado por nomes do porvir como Jimi Hendrix, Eric Clapton e Jimmy Page.

Progressivamente, novas bandas nasceram e acrescentaram ao Metal novas influências indumentárias, sonoras e gráficas, fazendo com que o estilo musical se firmasse como um gênero dissonante dos demais e com suas próprias ramificações em diversos subgêneros. Com a sua riqueza musical, é notório que o Heavy Metal se emaranhou em culturas completamente distintas, mostrando que não apenas na Inglaterra de 1970 havia pessoas com o intento de catalisar sua frustração com o mundo a partir da música.

Com a difusão mundial do gênero, criaram-se cenas (ou movimentos) “headbangers3 3 Ou metaleiros, são formas de se referir ao fã ou músico do Heavy Metal. em países de todos os continentes, salvo a Antártida, marcadas pela circulação de músicos, fãs, mídia especializada e produtos diversificados. Contudo, nem todas as bandas ficaram restritas ao seu circuito/cena, ou espaço vital, havendo aquelas que decidiram mudar de localidade visando melhores condições para produção e propagação de sua música. No Brasil, um dos casos mais conhecidos é a mudança da banda belo-horizontina Sepultura para São Paulo, mas observam-se fluxos que vão além de uma mudança estadual do logradouro da banda, havendo centenas de grupos que migraram de país de modo permanente por causa de sua música.

Estima-se que a escolha do local de fixação destes grupos não é aleatória, podendo haver intrínseca relação com a centralidade que o local de destino exerce sobre algum subgênero do Heavy Metal e/ou na música como um todo. Outras possibilidades seriam a agregação de um membro na banda de nacionalidade distinta dos demais ou até mesmo proveniente de disputas internas entre grupos que logram algum espaço no cenário musical global. Diante desta explanação, propõe-se como objetivo deste artigo pesquisar se há padrões espaciais na mobilidade internacional realizada por bandas de Heavy Metal, desde a criação do estilo musical até o ano de 2019, e, caso haja, apontar quais são.

Os dados que subsidiaram a pesquisa foram buscados junto ao site Metal-Archives (2019)METAL ARCHIVES. Encyclopaedia Metallum. 2019. Disponível em: Disponível em: https:www.metal-archives.com . Acesso em: 11.06.2021.
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, os quais demonstram a grande relevância numérica que o Heavy Metal possui: são contabilizadas mais de 130.000 bandas na referida plataforma, espalhadas por todo o globo. Destas, em ao menos 622 seus membros fizeram um percurso migratório internacional, sem contar aquelas que se deslocam de país para se apresentar. Embora percentualmente o número de bandas que se deslocaram internacionalmente seja pequeno em relação ao volume total, o seu fluxo certamente possui uma lógica espacial, ainda carente de estudos. Pretende-se neste artigo uma primeira empreitada, a nível global, de associação do Heavy Metal com a mobilidade internacional dos seus músicos.

Breve discussão teórica

O fenômeno da migração é estudado em diferentes contextos, escalas e com contribuições de diversas áreas do conhecimento, sobretudo nas Ciências Humanas e Sociais. Quando se aborda a temática das migrações, um dos primeiros nomes mencionados remete a Ravenstein RAVENSTEIN, Ernst George. The Laws of migration. In: MOURA, Hélio (coord.). Migração Interna: Textos Selecionados. Fortaleza: BNB, 1980 [1885].devido ao seu trabalho “As leis da imigração”, publicado originalmente em 1885. Neste estudo, o autor analisa o contexto das imigrações no Reino Unido a partir dos dados censitários de 1871 e 1881, postulando algumas leis que regem a imigração como um todo. Das leis propostas por ele, a que mais afiniza-se com a presente pesquisa infere que “as pessoas que migram a longas distâncias se dirigem, preferencialmente, para grandes centros comerciais ou industriais”, ideia que leva os fluxos de mão de obra para locais com maior disponibilidade de empregos, à época, perante um contexto de industrialização do Ocidente.

Em complemento com este preceito está a pesquisa de Lee (1966) LEE, Everett. A Theory on migration. In: MOURA, Hélio (coord.). Migração Interna: Textos Selecionados. Fortaleza: BNB, 1980 [1966].que buscou aprofundar os apontamentos de Ravenstein. Segundo o autor, a migração é definida como a mudança de residência permanente ou semipermanente, conceito que não faz distinção escalar da migração, podendo ocorrer desde entre apartamentos de um mesmo prédio a uma alteração de país. De acordo com Da Silva (2015, p. 40) DA SILVA, Romerito. Por que, apesar da crise, alguns voltam e outros ficam? Uma análise comparativa da imigração de retorno de Portugal para o Brasil. Tese de Doutorado. Belo Horizonte, PUC - MG, PPG em Geografia - Tratamento da Informação Espacial, 2015.“as proposições de Ravenstein (1885) RAVENSTEIN, Ernst George. The Laws of migration. In: MOURA, Hélio (coord.). Migração Interna: Textos Selecionados. Fortaleza: BNB, 1980 [1885].e Lee (1966) LEE, Everett. A Theory on migration. In: MOURA, Hélio (coord.). Migração Interna: Textos Selecionados. Fortaleza: BNB, 1980 [1966].permitem afirmar que a migração é em termos conceituais um deslocamento da população no espaço”, portanto, está fortemente relacionada à Geografia. Corrobora com esta afirmação a conceituação proposta por Sayad (1998SAYAD, Abdelmalek. A imigração: ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: USP, 1998., p. 15) de que “a imigração é, em primeiro lugar, um deslocamento de pessoas no espaço, e antes de mais nada no espaço físico”.

Especificando a abordagem para uma escala transnacional é possível compreender a migração internacional como a mobilidade de pessoas que supera fronteiras nacionais. Castells (1999CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ) e Sassen (2010SASSEN, Saskia. A criação de migrações internacionais. In: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 113-138.) nos lembram do impacto da internacionalização da economia na constituição destas mobilidades, pois operam tanto no plano do fluxo internacional de capital como no da força de trabalho. Neste viés, o fenômeno da globalização cria redes em múltiplos âmbitos, onde há contínua relação do local e do global. A lógica da indústria cultural perpassa exatamente por este cenário, constituindo novos modos de propagação da cultura a partir da circulação/troca de mercadorias em fluxos transnacionais, conforme menciona Bechelany (2005BECHELANY, Camila. A comunidade transnacional de arte contemporânea. Fronteira - Revista de iniciação científica em Relações Internacionais, v. 4, n. 7, p. 7-35, 2005., p. 14). Estas trocas perpassam culturas completamente distintas, que podem ocasionar choques culturais quando infere um sentimento de aversão ao alheio ou então resultar na assimilação de dispositivos globais em contextos culturais locais, quando o que é “vindo de fora” acaba por ser aceito.

Entretanto, o processo migratório internacional não deriva exclusivamente da lógica econômica, podendo acontecer conforme processos identitários. É importante frisar, conforme Almeida e Baeninger (2013ALMEIDA, Gisele; BAENINGER, Rosana. Modalidades migratórias internacionais: da diversidade dos fluxos às novas exigências conceituais. In: BAENINGER, Rosana (org.). Migrações internacionais: por dentro do estado de São Paulo. Vol. 9, Campinas: Nepo/Unicamp, 2013, p. 23-34., p. 30), que tais processos não caracterizam o que se entende por diáspora, pois não configuram “espaços marcados por processos de extraterritorialidade”, sendo mais próximos do que Bruneau (2009BRUNEAU, Michel. Pour une approche de la territorialité dans la migration internationale: les notions de diaspora et de communauté transnationale. In: CORTÈS, Geneviève; FARET, Laurent (orgs.). Les circulations transnationales: lire les turbulences migratoires contemporaines. Paris: Armand Colin, 2009.) propõe como comunidade transnacional. Este último conceito traduz o intento de um grupo fixado em variados países, mas que se solidariza em prol de interesses em comum, suplantando assim as fronteiras nacionais.

Como resultado da imersão de culturas em novos contextos tendo como fio condutor o capital, é importante lembrar que, se por um lado este processo parece benéfico por ampliar as oportunidades de acesso a bens de consumo orientados pela lógica global, por outro, pode muitas vezes rumar para uma homogeneização cultural. De toda forma, a propagação de determinada cultura segmentada pelo capital depende de espaços de consagração, como mostra Bechelany (2005BECHELANY, Camila. A comunidade transnacional de arte contemporânea. Fronteira - Revista de iniciação científica em Relações Internacionais, v. 4, n. 7, p. 7-35, 2005., p. 19), onde se faz necessário ser visto para poder difundir-se dentro de um determinado cenário. Neste caso, a autora menciona exemplos de mecanismos de exposição dentro do ambiente das artes, o qual pode ser extrapolado para a própria música aqui em questão.

O mercado cultural dentro do que se entende por cena musical acaba por combinar duas características citadas acima: a identidade voltada para um tipo específico de produção artística local e o intento de fazer parte de um potencial palco artístico que leve ao sucesso global. Estima-se que as bandas de Heavy Metal que desejam compor o cenário mainstream necessitam fazer esta combinação, muitas vezes impossível de acontecer no mesmo espaço que a banda foi fundada, sendo preciso realizar intercâmbios simbólicos/materiais que possuem a migração como condutora. Destes fluxos transnacionais da música que provêm o presente artigo, buscando compreender como as bandas inserem-se em uma rede global a partir da mobilidade. Assim, a pesquisa aproxima-se de duas taxonomias da Geografia da Música propostas por Carney (2007CARNEY, George. Música e lugar. In: CORRÊA, Roberto; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Literatura, música e espaço. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2007, p. 123-150., p. 130-131), sendo elas “as dimensões espaciais da música com relação à migração humana, vias de transporte e redes de comunicação” e “o lugar de origem (berço cultural) e a difusão de fenômenos musicais para outros lugares”.

Percurso metodológico

Neste item estão descritas as etapas da pesquisa, com indicadores das fontes de informação, coleta de dados e seu respectivo tratamento. De modo geral, a principal frente de trabalho que o artigo possui se refere à busca dos dados das bandas que mudaram internacionalmente de logradouro.

Devido à ausência de um banco de dados sistematizado foi necessário pesquisar no site Metal-Archives (2019) METAL ARCHIVES. Encyclopaedia Metallum. 2019. Disponível em: Disponível em: https:www.metal-archives.com . Acesso em: 11.06.2021.
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a quantidade de bandas que fizeram algum tipo de percurso migratório. Trata-se de uma plataforma online colaborativa, fundada em 2002 por dois canadenses cujos pseudônimos são Hellblazer e Morrigan. A dimensão colaborativa da plataforma permite a qualquer usuário cadastrar uma banda, seja ele fã ou o próprio músico. As informações enviadas passam por um comitê de análise, no intuito de evitar fraudes e repetições. A efetivação do cadastro é simples, sendo necessária apenas a comprovação de que determinada banda é de Heavy Metal, algo normalmente feito conforme o envio de algum material produzido pelo grupo (músicas). Dentre as informações de cada banda há uma ficha completa de identificação: nome, subgênero(s) que pertence, logo, período de atividade, membros (músicos), discografia, letras das músicas e o mais importante para a presente pesquisa - a caracterização espacial. Há informações que vão desde o país de origem ao município de fundação de uma banda, inclusive se houve mudança de logradouro.

As buscas no site foram realizadas com filtros de palavras-chave que indicassem a mudança de logradouro, como “early” e “later”, de acordo com a ilustração da Figura 1. Os resultados obtidos foram organizados em planilhas Excel e filtrados de modo que restassem apenas grupos que migraram internacionalmente, ou seja, aqueles que alteraram sua sede de um país para outro. Pontua-se que o site é a única fonte disponível para angariar dados mundiais de bandas de Heavy Metal com alguma confiabilidade, devido ao caráter underground do gênero. No intuito de garantir a maior fidelidade das informações foram consideradas apenas as bandas que possuem seu cadastro completo na plataforma, contando com nome, país de criação do grupo, ano de fundação, local de destino e subgênero.

Para fins cartográficos e diante o baixo números de informações, as etapas intermediárias não constam no artigo, que buscou mostrar apenas a origem e destino final das bandas. Foram considerados apenas os fluxos de bandas ocorridos até o ano de 2019, pois entende-se que a pandemia do Coronavírus trouxe um contexto atípico para a imigração, cabendo, por si só, uma investigação mais aguçada sobre seus impactos no Heavy Metal. Portanto, migrações de 2020 em diante não encontram-se nos mapas, pois podem ter sido motivadas pela pandemia e não por questões musicais.

Figura 1 -
Buscas no Encyclopaedia Metallum

Ainda sobre as buscas nesta plataforma headbanger, foram realizadas pesquisas no campo “country”, onde é possível averiguar o número de bandas por país de origem. De posse destes dados, exportados para o software ArcMap, foi exequível, à luz da semiologia gráfica, confeccionar os cartogramas de fluxo e um mapa coroplético do número de bandas por país. Optou-se, para fins cartográficos, fazer o agrupamento dos países em conjuntos, ou “continentes”, no intuito de facilitar a leitura dos fluxos. Sabe-se do extenso esforço de teóricos, geopolíticos e pesquisadores das Relações Internacionais em se regionalizar o globo, mas não se constitui objetivo desta pesquisa problematizar a respeito. Por isto, foram adotadas classificações extremamente genéricas para agrupar o que denominou-se aqui de América do Norte, América do Sul-Central, África, Europa Ocidental, Europa Oriental, Oriente Médio, Ásia e Oceania, que serão identificados a seguir conforme os mapas de fluxo e sua respectiva análise. Tais produtos, analisados conforme a mobilidade internacional, seja em prol do mercado ou em torno de uma unidade da comunidade headbanger a nível global, constituem a espinha dorsal do estudo de caso.

As origens e profusão do Heavy Metal no mundo

A cultura headbanger pode ser considerada relativamente nova, pois remonta à transição da década de 1960 para 1970. Sua origem conceitual é largamente debatida entre fãs, mídia especializada e músicos, com uma tendência favorável à banda inglesa Black Sabbath, nascida na cidade de Birmingham, como pioneira do gênero, lembra Sirino (2012SIRINO, Caio. Heavy Metal Brasil na década de 1980: a rebelião headbanger nos subterrâneos da modernidade. Dissertação de Mestrado. Vitória da Conquista, UESB, PPG em Letras: Cultura, Educação e Linguagens, 2012., p. 42). Embora outras importantes bandas contemporâneas também sejam creditadas como bases para o que costumou-se chamar de “Heavy Metal”4 4 Atualmente, Heavy Metal pode significar apenas a designação do período clássico do Metal, posteriormente subdividido em dezenas de outros subgêneros. De forma mais genérica, como a proposta aqui, remete ao gênero musical como um todo. , por exemplo Led Zeppelin e Deep Purple, a sonoridade mais densa e obscura viria a ser apresentada ao mundo pelo quarteto de Birmingham, com o lançamento do seu disco homônimo de 1970.

Provenientes de uma era do auge do Rock, com resquícios da contra-cultura hippie que buscava rebelar-se contra os valores instituídos pela sociedade conservadora, capitalista e exploratória vigente, o disco do Black Sabbath contrastava com tudo que era feito no cenário musical até então. As letras pessimistas e apocalípticas com sonoridade introspectiva e caótica iam na corrente contrária ao slogan de “Paz e Amor” largamente proposta nas canções de Rock’n’Roll. Este obscurantismo pode ser justificado pelo próprio contexto de vida dos seus integrantes, conforme indícios apresentados por Wall (2014WALL, Mick. Black Sabbath: a biografia. São Paulo: Globo Livros, 2014., p. 9) que retrata a banda como resultado da paisagem desoladora de uma cidade europeia fabril, ainda com sequelas da Segunda Guerra Mundial.

Além deste cenário trazendo poucas expectativas positivas para os ingleses, havia um contexto global que também não favorecia a geração de 1960/1970. No âmbito econômico, o modelo que ficou conhecido como “anos dourados” havia chegado à exaustão, as desigualdades tornavam-se cada vez mais latentes, até mesmo na Europa, e as propostas econômicas liberais vinham se consolidando. No aspecto geopolítico, a tensão de uma possível Terceira Guerra Mundial desencadeada pela disputa entre o eixo capitalista (tendo os EUA como componente de maior expressividade) e o eixo socialista (URSS e seus aliados) criava uma ansiedade em grande parte do globo, sobretudo diante o eminente uso de uma bomba nuclear após o rastro deixado pela Segunda Guerra. Haviam ainda os conflitos de escala regional/continental, muitas vezes sangrentos, tais quais os ocorridos no Vietnam, Cuba e em parte considerável do continente africano.

A turbulência desse período entre décadas era refletida de diferentes formas, dentre elas com as manifestações na França em maio de 1968, que deixava claro a dificuldade de lidar com os jovens, e na crise petrolífera de 1973. Como produto do caos, o Heavy Metal pode ser considerado o escape que jovens encontraram para catalisar sua insatisfação e angústia com seu modo de vida tipicamente operário, cercado por mazelas sociais e guerras que minavam a esperança de um futuro melhor. Como este contexto superava fronteiras, o prenúncio pessimista se alastrou por todo o mundo e se consolidou em diversos espaços acompanhado pelo gênero em questão.

Subsequentes ao Black Sabbath, novas bandas surgiram aperfeiçoando e adicionando elementos artísticos ao Heavy Metal, dentre eles, novas formas de se vestir e de se posicionar politicamente. No item estético, outra banda de Birmingham se destaca, o Judas Priest, pioneira no uso de adereços como couro preto vinil, roupas apertadas, braceletes e jaquetas, aponta Silva (2014SILVA, Wlisses. Os incômodos perdedores: Heavy Metal no Brasil da década de 1980. Tese de Doutorado. São Paulo, USP, 2014., p. 82), que se tornou o traje mais habitual da estética headbanger. Já no âmbito político houve o incremento de ideias propostas por Punks, com uma crescente oposição ao conservadorismo, e, mais especificamente no Heavy Metal ocidental, contra os moldes da moralidade cristã. Um exemplo desta contestação política é visto no encarte do single “Sanctuary” lançado pelo Iron Maiden em 1980, onde o mascote da banda, Eddie, é posto assassinando a ícone do liberalismo e Primeira Ministra Britânica, Margaret Thatcher.

Com estes pilares o Heavy Metal se difundiu pelo mundo, inserindo-se na lógica do capital e se firmando como uma subcultura. Diante dos múltiplos contextos de imersão do gênero em culturas locais, cada uma mesclando suas referências ao estilo musical, foram criados novos subgêneros do Heavy Metal, que se ramificou conforme as diversas formas de tocar, cantar, compor, vestir, criar artes de capas de disco, dentre outras características. Dentre os múltiplos subgêneros do Heavy Metal apresentados pelo Metal-Archives (2019)METAL ARCHIVES. Encyclopaedia Metallum. 2019. Disponível em: Disponível em: https:www.metal-archives.com . Acesso em: 11.06.2021.
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, estão o Black, Death, Doom/Stoner/Sludge, Electronic/Industrial, Experimental/Avant-garde, Folk/Viking/Pagan, Gothic, Grindcore, Groove, Heavy, Metalcore/Deathcore, Power, Progressive, Speed, Symphonic, Thrash e outras variações provenientes de fusões, cada qual com sua identidade - podendo ser atrelada a um determinado espaço.

Sobre a disseminação do Metal pelo globo, o documentário “Global Metal” dirigido por Sam Dunn e Scot McFadyen (2008)GLOBAL METAL. Dirigido por Sam Dunn, Scot McFadyen. 1 disco digital versátil (93 min.), DVD, son., color. 2008., demonstra o Heavy Metal em culturas completamente diferentes, atingindo jovens desde os países precursores do gênero (Inglaterra e EUA) até em países do Oriente Médio e da América do Sul. Sobre este ecletismo territorial do Heavy Metal, Dhein (2009DHEIN, Gustavo. A besta que se recusa a morrer: identidade, mídia, consumo e resistência na subcultura Heavy Metal. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação, 2009.) sugere duas etapas de disseminação do estilo: dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos (1970:1980) e dos países subdesenvolvidos para os desenvolvidos (1990 até os dias atuais).

Considerando todas as bandas de Heavy Metal criadas até então, desde as precursoras do gênero em 1970 até 2019, envolvendo ainda aquelas que por algum motivo já se findaram, está o mapa 01 na tentativa de ilustrar como o Metal está distribuído mundialmente. A nacionalidade de uma banda varia conforme sua autodeclaração. Na maioria dos casos, remonta ao local em que os membros decidiram compor o grupo, normalmente provenientes de um mesmo país. Em casos de membros de diferentes nacionalidades é comum que prevaleça a nacionalidade da maioria. Já o local que a banda possui sua base pode ou não ser no mesmo país de sua criação. Sobre as ocorrências em que a sede se difere do país de origem está a possibilidade de encontrar a mobilidade das bandas.

Mapa 1 -
Bandas de Heavy Metal (HM) do mundo - números absolutos

O Mapa 1 mostra que existem concentrações de bandas principalmente na Europa Ocidental, América do Norte e no Brasil, enquanto o continente africano possui a menor incidência de bandas, inclusive com vários países sem a catalogação de um grupo sequer. Em números totais, o ranking indica os EUA despontando com 27.688 bandas (21,1% do total global), a Alemanha 10.983 (8,4%), a Itália 6.566 (5,0%), o Brasil 6.170 (4,7%), o Reino Unido 5.252 (4,0%), a França 5.175 (3,9%), a Suécia 4.668 (3,6%), o Canadá 4.222 (3,2%), a Rússia 4.143 (3,2%) e a Finlândia com 3.927 (3,0%). Estas taxas mostram que os dez países com maior número de bandas detêm quase 60% das bandas mundiais, sendo este talvez um primeiro indicador de possíveis destinos para os grupos que se deslocaram.

É necessário frisar ainda que 889 bandas possuem o status de internacional, ou seja, bandas que agregam integrantes de nacionalidades múltiplas, nas quais não é possível especificar a mais prevalente ou de maior importância no contexto de criação do grupo. Normalmente, estes grupos são compostos por artistas já consagrados no cenário musical global, formando as chamadas “Superbandas”. Ademais, 145 bandas não tinham informações de nacionalidade à época do levantamento. A partir desta exposição geral das origens, subdivisões e espacialidade do Heavy Metal é possível aprofundarmos sobre o fluxo internacional, tema da próxima seção.

O fluxo migratório mundial das bandas de Heavy Metal

Anteriormente foi possível constatar o quão abrangente é a cultura headbanger pelo mundo, presente nos mais diversos países. Ressalta-se que, no âmbito do que se entende mainstream, o Heavy Metal é o motivo de extensas viagens, conhecidas como turnês, nas quais as bandas se apresentam fora do seu país de origem. O mesmo pode acontecer com os fãs, que se deslocam para assistir shows de sua preferência. Entretanto, os mapas de fluxo a seguir não fazem referências a estes fenômenos, e sim às bandas que por algum motivo decidiram mudar sua sede permanentemente para outro país, no período de 1970 a 2019.

O ponto de partida é a Europa Ocidental (Mapa 2), na qual o estilo musical nasceu. Nesta porção do planeta são observadas as maiores migrações de bandas internas a um continente, mostrando que os europeus ocidentais, quando migram, buscam preferencialmente seus países vizinhos ou não tão distantes. Vale pontuar a centralidade exercida pelo Reino Unido, pivô de atração de bandas do mundo todo. Há ainda algumas saídas pontuais para o Brasil, Rússia, Canadá e Austrália, por exemplo, mas o maior fluxo intercontinental é dado do Reino Unido para os EUA, onde 10 bandas trocaram um polo do Metal por outro.

Prosseguindo a espacialização dos fluxos transnacionais do Heavy Metal está a Europa Oriental (Mapa 3). Em relação ao mapa anterior, nota-se que o sul global é pouco procurado, salvo dois casos: da Rússia para o Vietnã e da Polônia para a Tailândia. No caso dos fluxos russos, observa-se forte comunicação dos países que foram colônias soviéticas ou que são influenciados diretamente pela Rússia devido à sua posição geográfica, como no caso da Ucrânia, que acolheu 7 bandas russas, ou das bandas destinadas ao território russo, tais como a própria Ucrânia (5 bandas), a Bielorrússia (2 bandas), além de países que compõem o continente asiático.

Mapa 2 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na Europa Ocidental: 1970-2019
Mapa 3 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na Europa Oriental: 1970-2019

Ainda sobre o Mapa 3, merece menção o maior fluxo observado em toda a história do Metal, relativo à migração de 22 bandas polonesas para o Reino Unido. A fim de aprofundar a análise sobre estas bandas está o Quadro 1, descrevendo quais são estas bandas, seu subgênero e o ano que foram fundadas. O quadro indica algo revelador, pois todas as migrações ocorreram com bandas criadas a partir de 1991, mesmo que anterior a este ano os poloneses tenham criado 277 bandas. Isto levanta a importância de se observar a variável temporal quando estudamos a imigração, pois marcos históricos podem determinar o destino das pessoas. Neste caso em específico, sabe-se que a Polônia e o Reino Unido possuem um passado de aproximação que remete desde os tempos medievais, mas a migração de bandas a partir de 1991 pode ser explicada pelo contexto político da época, pois a Polônia em dezembro de 1990 havia eleito Lech Wałęsa, primeiro presidente não comunista do país desde a Segunda Guerra Mundial. Com a queda do comunismo na Polônia, as novas bandas viram uma maior aceitabilidade na Europa e tiveram mais possibilidades de viajar em relação aos grupos que nasceram durante o regime, o que lhes permitiu realizar o deslocamento. Nem mesmo a entrada do país na União Europeia em 2004 teve o mesmo efeito.

Quadro 1 -
Bandas polonesas que migraram para o Reino Unido

Na Ásia (Mapa 4) o movimento das bandas é diversificado, mas possui quatro direções preferenciais: os EUA, a Alemanha, o Reino Unido e a Rússia. Salvo o último país, que pela sua imensidão territorial também pode ser posto como asiático, há pouca migração com destino ao mesmo conjunto. Cabe frisar que o continente, tal qual o Oriente Médio e a África, possui em alguns dos seus países o constrangimento moral e até mesmo político-legal contra o Heavy Metal, dificultando a criação de cenas locais. Talvez por isso, a China somente exportou bandas, mas não acolheu nenhuma.

Mapa 4 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na Ásia: 1970-2019

No Oriente Médio (Mapa 5), mesmo com a proximidade geográfica com a África, as bandas buscam se alocar na Europa Ocidental e na América do Norte, com pouca migração dentro do próprio continente. Há somente um caso com destino ao continente africano, em uma migração do Iraque para o Egito. É notório que, assim como no Mapa 4, estas bandas buscam se assentar nos países com maior veiculação do gênero, ou seja, possivelmente migram por motivos mercadológicos.

As bandas da Oceania (Mapa 6) pouco migram, estabelecendo apenas alguns laços mais fortes com os países do eixo do Heavy Metal. Internamente, há uma pequena troca entre Austrália e Nova Zelândia, havendo ainda casos específicos que chamam a atenção - com destino a Tasmânia, Malásia e Catar.

Mapa 5 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas no Oriente Médio: 1970-2019
Mapa 6 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na Oceania: 1970-2019

Assim como na Oceania, a África (Mapa 7) possui poucas linhas que indiquem uma tendência para além das influências do Reino Unido. Como o Mapa 1 mostra, o continente é o menos expressivo quantitativamente na criação de bandas de Heavy Metal, sobretudo em sua porção central. O que se observa são linhas que cortam os oceanos e os continentes, não havendo complementaridade entre os países africanos. Mesmo o Brasil, que possui uma forte ligação histórica com os africanos e que é grande expoente do estilo musical, não foi procurado como destino.

Mapa 7 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na África: 1970-2019

Chegando às Américas, primeiramente a do Sul/Central (Mapa 8), são nítidas algumas tendências. Há a comunicação entre os países deste conjunto, mostrando certo nível de familiaridade entre as nações. Embora o destaque siga privilegiando os EUA e a Europa Ocidental no que tange o destino das bandas, tal qual nos mapas anteriores, um novo expoente de acolhimento surge para os centro e sul-americanos. Trata-se da Espanha, país que acolheu 4 bandas da Argentina, 3 da Colômbia, duas do Equador e uma de Honduras. Isto mostra que os laços estabelecidos nas colônias espanholas deixaram marcos importantes nas sociedades americanas, principalmente o idioma, que pode ser um grande facilitador de ingresso em outro país. Já a relação Brasil/Portugal não foi tão prolífica no número de saltos transnacionais, contabilizando apenas uma banda. Merece menção a Colômbia, com 9 bandas rumo aos EUA, e o Porto Rico, colocado metodologicamente aqui dentre os países da porção central do continente americano, com 7 bandas também destinadas aos EUA.

Finalmente, o último mapa da pesquisa (Mapa 9) apresenta a América do Norte, tratada aqui apenas pela representação dos EUA, Canadá e México. Mesmo os EUA sendo o país com a maior força de atração dentro da produção mercadológica do Metal, ele também perde algumas bandas que se destinam, preferencialmente, para a Europa Ocidental e para o Canadá. Há uma complementariedade entre os países da América do Norte, sendo o destaque a cargo das 18 bandas mexicanas que foram para seu vizinho do norte. Estas bandas foram fundadas entre os anos de 1984 a 2008, das quais a metade se qualifica como Death Metal.

Mapa 8 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na América do Sul e Central: 1970-2019
Mapa 9 -
Fluxo internacional das bandas de HM originadas na América do Norte:: 1970-2019

Sintetizando estes fluxos, na tentativa de mostrar as grandes tendências, está o Quadro 2 que mostra os 10 maiores saltos transnacionais quantitativamente, quase todos mencionados anteriormente. O que se percebe é a centralidade exercida pelos EUA, possivelmente pelo seu papel desempenhado no mundo capitalista, além do Reino Unido, que possui as bases históricas do Heavy Metal e que também é forte no cenário do Rock mundial. Dos 10 países com maior número de bandas em termos absolutos, o Brasil e a Finlândia são os únicos que não figuram no quadro, seja como lugar de origem ou de destino. No caso do Brasil, o idioma pode ser o grande dificultador da migração internacional não acontecer. A posição geográfica também é um importante limitador, pois o país está mais distante da efervescente mobilidade observada na Europa, o que vale tanto para as bandas brasileiras que não saem do país quanto para as demais bandas que não optam por se deslocar para as terras brasileiras.

Quadro 2 -
Maiores Fluxos

Se atentando ao caso finlandês e agregando ainda a Noruega, é possível fazer uma análise mais qualitativa da migração internacional headbanger (Quadro 3). Estes dois países, que não figuram como maiores receptores de bandas, mas, se comparados com sua população, despontam como as maiores cenas headbangers do globo, são reconhecidos mundialmente pela sua vocação para o que se denomina Black Metal. Os dados do Quadro 3 inferem que este pode ser um importante fator para as bandas migrarem, ou seja, ir para um país que é especializado em um subgênero específico e que a banda migrante executa.

Um forte indício que esta afirmação possui fundamento é a origem diversificada das bandas que foram para a Finlândia e Noruega, provenientes de nacionalidades das mais variadas possíveis: Uruguai, Brasil, Argentina, Canadá, Turquia, Grécia, Rússia, Espanha, Alemanha, Polônia, Bielorrússia, Iran, Hong Kong, dentre outras. Observa-se que dentre elas há a prevalência do Black Metal enquanto subgênero, onde no total de 37 bandas que lograram ir para estes dois destinos 28 possuem vínculo direto com o Black Metal.

Quadro 3 -
Bandas que migraram para a Finlândia ou Noruega - 1970-2019

Ainda sobre os deslocamentos para países nórdicos está o Quadro 4 que mostra os fluxos envolvendo bandas do subgênero Viking Metal. Este estilo possui como influência fundante a cultura e a mitologia nórdica, moldado por países que compõem a história da "Era Viking". Os fluxos observados reforçam esta tendência, mostrando-se algo de cunho regional que não envolve em grande número trocas entre os países do eixo (EUA e Reino Unido).

Quadro 4 -
Fluxo global das bandas de Viking Metal - 1970-2019

Outro exemplo de mobilidades migratórias observadas no universo do Heavy Metal se refere ao subgênero Symphonic Metal. As músicas deste estilo caracterizam-se pela mescla de instrumentos típicos do Metal com instrumentos mais marcantes da Música Clássica, tais como violino, violoncelo e flauta, além da adoção de vocais líricos. Conforme mostra o Quadro 5, os grupos desta categoria não vislumbram como destino os EUA e o Reino Unido. Ao invés disto, as bandas sinfônicas procuram países de forte apelo à música erudita e com relevo em sua história, como, por exemplo, a Alemanha de Johann Sebastian Bach, Ludwig van Beethoven e Johannes Brahms e a Rússia de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, Ígor Fiódorovitch Stravinski e Dmitri Shostakovich.

Seguindo a mesma lógica dos exemplos anteriores está o Quadro 6. Nele, constam dados de bandas de Progressive Metal que se estabeleceram na Holanda. O que mais chama a atenção neste exemplo é que esta vertente do Metal não é amplamente difundida. Em nenhum outro país o Progressive é tão assimilado, mas na Holanda corresponde a metade dos fluxos de entrada. Uma provável explicação para este fenômeno ruma para o próprio passado dos Países Baixos com o Rock Progressivo, sobretudo setentista, lançando internacionalmente nomes como Focus e Trace.

Quadro 5 -
Fluxo global das bandas de Symphonic Metal - 1970:2019
Quadro 6 -
Fluxo das bandas de Metal para os Países Baixos - 1970-2019

Os quadros anteriores mostraram que o percurso migratório de determinadas bandas de Heavy Metal pode estar estritamente relacionado com a centralidade que o local de destino exerce em um cenário mercadológico global de profusão de um subgênero específico. Porém, outro tipo de padrão foi identificado, não eximindo que existam outros. Trata-se do país de origem de bandas de Death Metal que migraram internacionalmente. Este subgênero é um dos mais difundidos no Metal, marcado por guitarras rápidas com afinação baixa e distorcida, baterias que seguem o ritmo de velocidade com pedal duplo e blast beat e vocais que denotam uma agressividade por serem mais crus e urrados. Das 190 bandas de Death Metal que migraram, apenas 58 nasceram em países centrais. Embora os países do primeiro eixo econômico do mundo sejam os destinos preferenciais do Death Metal, ele surge na periferia e semiperiferia global (132 bandas), reforçando a tese de Dhein (2009DHEIN, Gustavo. A besta que se recusa a morrer: identidade, mídia, consumo e resistência na subcultura Heavy Metal. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação, 2009.) sobre a exportação do Metal de países periféricos para os países centrais. Também corrobora com este desenho as temáticas das músicas de Death, as quais descrevem atos extremos de mutilação, dilaceração, tortura, estupro, canibalismo e necrofilia, normalmente adotadas como forma de protesto perante as mazelas sociais vividas nos países periféricos.

Por fim, frisa-se que o pequeno montante de bandas que migraram internacionalmente revela a existência de dificuldades em se estabelecer em outro país. Para além do desafio logístico, linguístico, cultural e do comum acordo entre os membros de uma banda, há a burocracia para conseguir um visto permanente no país de destino, muitos deles com políticas migratórias restritivas que podem inibir fluxos provenientes de países específicos ou até mesmo de todo o globo, dependendo das suas inclinações geopolíticas. Para músicos, tentar pleitear um visto a partir do trabalho é algo complexo, considerando que exercem uma atividade que não se caracteriza como vínculo empregatício na maioria das vezes, sobretudo para membros de bandas que ainda buscam se inserir no circuito musical, portanto, sem uma agenda e contratos de shows firmados no país no destino. Outro limitador importante é que se apenas um integrante da banda ou de sua equipe de apoio não conseguir o visto, todos os demais podem optar por permanecer no país de origem, evitando fazer alterações na formação do grupo. Por outro lado, a política migratória pode também incentivar fluxos para países mais "acessíveis", como latino-americanos que rumam para a Espanha, ou ainda entre países constituintes de grandes blocos de livre circulação, como ocorre na União Europeia.

Considerações finais

Este artigo buscou identificar padrões espaciais nas mobilidades migratórias internacionais realizadas por bandas de Heavy Metal, em um recorte temporal que abarca desde as origens do estilo musical nos anos 1970 até 2019. Metodologicamente, foram realizadas consultas ao site Metal-Archives no intuito de angariar dados de origem e destino das bandas, resultando em cartogramas da distribuição do gênero pelo globo, dos fluxos internacionais conforme uma subdivisão continental e de quadros verticalizando alguns casos conforme o subgênero, local de origem e local de destino.

Os resultados indicam que, embora seja pequeno o percentual de bandas que migraram, existe uma lógica por trás dos deslocamentos headbangers. Primeiramente, reforça-se o que é de conhecimento geral, pois aquele que migra por vontade própria o faz para obter alguma vantagem em relação a sua atual situação. Tais vantagens, no caso do Heavy Metal, constituem dois elementos principais, onde um não é excludente do outro: a vantagem mercadológica, de se localizar no antro de grandes circuitos musicais, ou para se aproximar dos seus iguais, onde a música pode ser fator de coesão em uma comunidade transnacional. Observa-se que de maneira geral os fluxos rumam principalmente em destino aos EUA, país mais representativo do poder econômico e financeiro no mundo, e para o Reino Unido, onde sobretudo a Inglaterra se destaca como celeiro das bandas clássicas do Rock e do Heavy Metal. Independente do local de origem, estes dois países figuram como prováveis destinos cobiçados pelos grupos.

No viés mercadológico, algumas bandas procuram rotas de migração já existentes para o público geral, remetendo a relações históricas entre os países. Isto se dá, por exemplo, na ida de mexicanos que tentam a sorte nos EUA, com poloneses rumo ao Reino Unido, com ex-colônias soviéticas para a Rússia ou argentinos indo para a Espanha. Nota-se que a questão política não pode ser desprezada e que a opção por determinado lugar perpassa questões como o idioma, no caso de ex-colônias.

Em termos de migrar para inserir-se entre seus iguais e participar de um circuito musical reconhecido globalmente, o Heavy Metal apresenta-se como uma verdadeira comunidade transnacional. Neste caso, o fator de atração para as bandas é a oportunidade de se aproximar de músicos com preferências musicais correlatas, que no universo headbanger é representado pelo subgênero. Embora esta análise careça de maior aprofundamento, é simbólica a quantidade de bandas de Black Metal que partem de variadas localidades para se lançarem dentre finlandeses e noruegueses, pólos desta categoria do Metal, além de bandas de Progressive Metal que buscaram como destino preferencial a Holanda e grupos de Symphonic Metal que lograram ir para países renomados dentro da Música Clássica.

Dada a originalidade da temática, logrou-se fazer apenas um sobrevôo de como esta mobilidade se comporta espacialmente. Vale lembrar que por de trás da migração de uma banda podem haver várias pessoas, basta pensar que, no formato clássico (vocalista, baixista, guitarrista e baterista), uma banda possui quatro membros. Cada um destes pode ainda levar sua família consigo e, no caso de bandas de grande expressividade internacional, há mais pessoas associadas ao nome do grupo, indo além dos músicos propriamente ditos. Isto permite dizer que centenas ou talvez milhares de pessoas já migraram internacionalmente de modo permanente graças ao Heavy Metal.

Ademais, pontua-se que o Metal é um fenômeno mundial. Mesmo nos países mais remotos e aqueles cujo é proibido ser headbanger, seja por contravenção ao Estado ou a religião, o gênero se faz presente. Portanto, vislumbra-se a possibilidade de desdobramentos deste trabalho, espacializando o estilo musical e buscando entender as implicações que a imigração pode exercer sobre o Heavy Metal e seus fiéis adeptos.

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  • 1
    O título do artigo faz alusão à célebre canção da banda inglesa Led Zeppelin, um dos grupos responsáveis pelas bases sonoras para o que viria a se tornar o Heavy Metal.
  • 2
    Riffs - se trata de uma progressão de acordes, intervalos ou notas musicais que são repetidos no contexto de uma música, formando sua base ou acompanhamento.
  • 3
    Ou metaleiros, são formas de se referir ao fã ou músico do Heavy Metal.
  • 4
    Atualmente, Heavy Metal pode significar apenas a designação do período clássico do Metal, posteriormente subdividido em dezenas de outros subgêneros. De forma mais genérica, como a proposta aqui, remete ao gênero musical como um todo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2022
  • Aceito
    04 Out 2022
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