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Violência doméstica e saúde de mulheres migrantes bolivianas moradoras em oficinas domiciliares de costura na Grande São Paulo

Domestic violence and the health of Bolivian migrant women residents of home-based sweatshops in Greater São Paulo

Resumo

A intersecção entre migração, violência doméstica e saúde é um assunto pouco explorado no Brasil. O objetivo deste artigo é discutir a violência doméstica enfrentada por mulheres migrantes bolivianas residentes em oficinas de costura domiciliares em São Paulo. Este texto é fruto de uma pesquisa etnográfica com migrantes bolivianas que trabalham ou trabalharam em oficinas na Grande São Paulo. Os dados evidenciaram a necessidade de promover campanhas contra a violência doméstica nas oficinas de costura considerando as condições únicas que muitas apresentam como espaços privados, públicos e transnacionais. A pesquisa destaca a importância do setor de saúde para promover estratégias de cuidados para trabalhadoras em oficinas e capacitar os profissionais em saúde que trabalham com essa população para reconhecer situações de violência e promover a segurança e saúde das vítimas da violência doméstica.

Palavras-chave:
violência de gênero; violência doméstica; migração e saúde; migração boliviana; trabalho precário

Abstract

The intersection of migration, domestic violence, and health is a little explored topic in Brazil. The objective of this article is to discuss domestic violence against Bolivian migrant women that reside in home-based sweatshops in São Paulo. This text stems from observations and testimonies collected during ethnographic research with Bolivian migrant women that work in or have worked in sweatshops in the greater São Paulo area. The study reveals the necessity for initiatives to combat domestic violence in sweatshops through case studies and theoretical analysis of sweatshops as specific places as well as private, public, and transnational spaces. The authors reveal the necessity for the promotion of initiatives in the health sector to incorporate sweatshop workers and the need to train healthcare professionals that work with this population to recognize signs of violence to ensure the security and health of those facing domestic violence.

Keywords:
gender-based violence; domestic violence; health and migration; Bolivian migration; precarious work

1. Introdução

O tema da violência doméstica na população de migrantes bolivianas em São Paulo vem preocupando profissionais da comunidade nativa e de instituições que prestam serviços a essa população (Nomura, 2017NOMURA, Leandro. Bolivianas têm no futebol arma contra violência doméstica e trabalho pesado. Folha de São Paulo, 2017. Disponível em: < Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2017/09/1919822-bolivianas-tem-no-futebol-arma-contra-violencia-domestica-e-trabalho-pesado.shtml >. Acesso em: 11.10.2022.
https://www1.folha.uol.com.br/empreended...
). A intersecção entre migração, violência doméstica e saúde é um assunto pouco explorado no Brasil. Este texto é um recorte de uma pesquisa etnográfica multilocalizada sobre as experiências de mulheres migrantes bolivianas sobre a maternidade e os cuidados em saúde na Grande São Paulo, trabalho de doutorado da pesquisadora principal. A questão da violência doméstica se destacou na pesquisa, embora não estivesse entre os objetivos. Durante o trabalho de campo foram relatados vários casos de violência doméstica contra mulheres residentes em oficinas. Neste artigo, enfocaremos a violência doméstica enfrentada por migrantes bolivianas moradoras em oficinas domiciliares de costura na Grande São Paulo, buscando compreender o contexto sociocultural das situações de violência vividas por elas.

2. Imigração boliviana em São Paulo

O fluxo de migração da Bolívia para o Brasil iniciou após a metade do século XX, motivado principalmente pela atração do mercado de trabalho (Baeninger, 2012 BAENINGER, Rosana. Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo, Unicamp, 2012. ). Houve também um aumento significativo de imigrantes bolivianos, desde os anos 1980, em São Paulo, devido à expansão da indústria de moda (Marques et al., 2014MARQUES, Maria Cristina da Costa; AFONSO, Fernando de Carvalho; SILVEIRA, Cassio. A Atenção à Saúde do Imigrante no Contexto Histórico da Saúde Pública em São Paulo. In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela; SILVEIRA, Cássio. Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: Direitos Instituições e Circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p. 73-90. ). Os migrantes buscavam oportunidades de trabalho devido às condições econômicas na Bolívia, vindo principalmente de áreas rurais, em sua maioria homens e mulheres jovens, solteiros e com escolaridade média. Nos anos 1990, o fluxo de migrantes bolivianos para São Paulo aumentou principalmente por causa da melhoria da economia brasileira durante esta década (Aguiar, Mota, 2004AGUIAR, Marcia Ernani de; MOTA, André. The Family Health Program in the Bom Retiro district, São Paulo, Brazil: communication between Bolivians and healthcare workers. Comunicação Saúde Educação, v. 18, n. 50, p. 493-506, 2004.; Silva, 1997SILVA, Sidney Antonio Da. Costurando sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas Ediciones, 1997.).

Estudos acadêmicos têm relacionado os processos migratórios aos cuidados em saúde em diversas regiões do Brasil (Losco, Gemma, 2021______. Atención Primaria de Salud para inmigrantes bolivianos en Brasil. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 25, e180589, 2021.; Rocha et al., 2019ROCHA, Anna Silvia Penteado Sett Dai; CUNHA, Thiago Rocha Da; FRIEDRICH, Tatyana. Vulnerabilidades no Acesso à Saúde por Migrantes no Brasil e América do Sul: Revisão Integrativa. Saúde & Transformação Social/Health & Social Change, v. 10, n. 1/2/3, p. 218-224, 2019.; Ventura, Yujra, 2019VENTURA, Deisy de Freitas Lima; YUJRA, Veronica Quispe. Saúde de migrantes e refugiados. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2019.; Losco, Gemma, 2019LOSCO, Luiza Nogueira; GEMMA, Sandra Francisca Bezerra. Sujeitos da saúde, agentes do território: o agente comunitário de saúde na Atenção Básica ao imigrante. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 23, e200477, 2019.; Yajahuanca, 2015YAJAHUANCA, Rosario del Socorro Avellaneda. A experiência de gravidez, parto e pós-parto das imigrantes bolivianas e seus desencontros na cidade de São Paulo - Brasil. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. DOI:10.11606/T.6.2015.tde-13112015-105147.; Solimeo, 2017SOLIMEO, Tatiana. Migrantes bolivianas e a gravidez: saúde pública na zona leste, trajetórias e especificidades. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. DOI:10.11606/D.100.2019.tde-27022019-091657. ; Martes, Faleiros, 2013MARTES, Ana Cristina Braga; FALEIROS, Sarah Martins. Acesso dos imigrantes bolivianos aos serviços públicos de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, v. 22, n. 2, p. 351-364, 2013.; Weinert, 2015WEINERT, Tayane Santos. Uma etnografia sobre as práticas de saúde dos imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.6.2015.tde-09112015-131537. ). Alguns abordam as condições de vida das migrantes bolivianas no Brasil, que incluem análises que vinculam seu trabalho em oficinas de costura domiciliares com os determinantes de danos à saúde, como condições de vida, trabalho e moradia inadequados ou até desumanos (Abrahão et al., 2020ABRAHÃO, Felipe; DA COSTA OLIVEIRA, Robson; DE MORAES, Maria Cecília Leite. Homens imigrantes bolivianos residentes na zona central do município de São Paulo: situação de moradia e saúde. Revista de Divulgação Científica Sena Aires, v. 9, n. 1, p. 97-108, 2020.; Barbosa, 2020BARBOSA, Kamilla Arruda. Comportamento alimentar de imigrantes bolivianos portadores de diabetes e hipertensão. Tese de doutorado. Universidade Católica de Santos, Santos, 2020.; Bispo, 2019BISPO, Tatiane Barbosa. Trabalho, modos de vida e cuidados em saúde entre imigrantes bolivianos em São Paulo. Tese de doutorado. Universidade Católica de Santos, Santos, 2019. ; Carneiro Junior et al., 2018CARNEIRO JUNIOR, Nivaldo; SILVEIRA, Cássio; SILVA, Lia Maria; YASUDA, Maria Aparecida. Bolivian migration and Chagas disease: boundaries for the action of the Brazilian National Health System (SUS). Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 22, n. 64, p. 87-96, 2018.; Ribeiro, 2019RIBEIRO, Clara Lemme. Gênero e mobilidade do trabalho: bolivianas trabalhadoras na indústria de confecção de São Paulo. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. DOI:10.11606/D.8.2019.tde-14052019-141554. ; Waldman, 2011WALDMAN, Tatiana Chang. Movimentos migratórios sob a perspectiva do direito à saúde: imigrantes bolivianas em São Paulo. Revista de Direito Sanitário, v. 12, n. 1, p. 90-114, 2011.; Freitas, 2013FREITAS, Patrícia Tavares de. Bolivianos(as) por entre oficinas de costura na cidade de São Paulo: novosaspectos da dinâmica migratória no século 21. In: BAENINGER, Rosana (org.). Migrações Internacionais. Coleção Por Dentro do Estado de São Paulo, vol. 9 . Campinas: Núcleo de Estudosda População, 2013, p. 77-102.).

Nas últimas duas décadas,os bolivianostêm sido a nacionalidade de imigrantes mais presente em São Paulo. De acordo com dados da Polícia Federal, quase 57.000 deles se registraram em São Paulo entre 1999 e 2019, o que corresponde a 20% do total de 281.625 estrangeiros de todas as nacionalidades nesse período e ao dobro de chineses, no segundo lugar da lista, com cerca de 22.000 registros (Mantovani, Diegues, 2020MANTOVANI, Flavia; DIEGUES, Leonardo. “Cidade imigrante”, São Paulo recebe quase 57 mil bolivianos em 20 anos. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/01/cidade-imigrante-sao-paulo-recebe-quase-57-mil-bolivianos-em-20-anos.shtml >. Acesso em: 28.06.2022.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
). Segundo registros de migrantes residentes que entraram o Brasil entre 2010 e 2019, as mulheres bolivianas demonstram uma migração consolidada e contínua, com números entre 1.966 e 3.702 registros por ano (Cavalcanti et al., 2020CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antônio T.; MACEDO, Marília. Imigração e Refúgio no Brasil. Relatório Anual 2020. Série Migrações. Observatório das Migrações Internacionais, 2020.). Porém, esses números não refletem o total deste grupo na cidade, já que muitas não são registradas, por vários motivos. Algumas razões relatadas pelas interlocutoras do estudo para não regularizar a situação migratória foram: o alto custo e as multas, a falta de conhecimento sobre como fazer a documentação, a insuficiência de tempo por conta das longas jornadas de trabalho e a manipulação por parte de alguns donos de oficinas de costura que as informaram que a regularização não era possível. Estimativas da população total de bolivianos (registrados e não registrados) em São Paulo variam entre 200.000 e 500.000 (Lachini, 2014LACHINI, André. Grande São Paulo pode ter até 500 mil bolivianos. Gazeta do Povo, 2014. Disponível em: < Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/grande-sao-paulo-pode-ter-ate-500-mil-bolivianos-es0z58td2egmx78zzz8mk5npq/ >. Acesso em: 11.10.2022.
https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-c...
; Xavier, 2010XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na Região Metropolitana de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2010.).

A maioria das interlocutoras da pesquisa trabalha em e/ou foi dona de oficinas em alguma época desde que migrou da Bolívia. As oficinas são principalmente fábricas domiciliares de confecção de roupas onde a maioria dos trabalhadores também mora com suas famílias. Em São Paulo, a principal função das oficinas é costurar à máquina tecidos já cortados. A maior parte das interlocutoras não sabia como costurar antes de migrar e aprendeu este ofício no Brasil. O trabalho em oficinas é geralmente informal e o pagamento é feito por peça costurada1 1 Uma queixa comum das interlocutoras proprietárias de oficinas foi a dificuldade de regularizar pelos custos e burocracia, embora fosse uma preocupação importante. Todas as oficinas não regularizadas queriam acertar a situação jurídica. As oficinas regularizadas têm mais benefícios e poder para negociar o preço cobrado. Uma interlocutora relatou que no início da crise financeira do Brasil, em 2016, as empresas propuseram pagar a metade do preço por peça pago anteriormente na oficina irregular. Ela percebeu que eram cobrados os mesmos preços que antes nas lojas onde vendiam as peças. Entretanto, ela não podia negociar com as empresas por necessidade de trabalho e falta de outras opções. . Muitas vezes, o trabalho em oficinas é visto como um primeiro passo para uma vida melhor. Em teoria, o alojamento e alimentação das trabalhadoras são pagos até que consigam guardar dinheiro para diversas finalidades: abrir sua própria oficina, estudar, comprar terras na Bolívia, ou mesmo para regularizar, conseguir a carteira de trabalho e encontrar um trabalho formal no Brasil. Cymbalista e Xavier (2007CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara Rolnik. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cadernos Metrópole, n. 17, p. 119-133, 2007.) apontam que, em seus poucos momentos de lazer, as moradoras/trabalhadoras de oficinas domiciliares, mesmo as indocumentadas, tendem a socializar em feiras e outros lugares em bairros onde há mais oficinas, o que permite o intercâmbio sobre informações de oportunidades de trabalho. Desta forma, a circulação de trabalhadores entre oficinas aumenta, perpetuando a “privacidade coletiva” destes locais e enfraquecendo a presença da população nos espaços públicos.

Muitas oficinas de costura domiciliares têm sua imagem associada ao trabalho análogo à escravidão (Câmara Municipal de São Paulo, 2006CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Relatório final da comissão parlamentar de inquérito para apurar a exploração de trabalho análogo ao de escravo. [s.l.]: Câmara Municipal de São Paulo, 2006. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/wp-content/uploads/2017/07/CPI20do20trabalho20escravo1.pdf >. Acesso em: 27.06.2022
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; Rossi, 2005ROSSI, Camila Lins. Nas costuras do trabalho escravo. Um olhar sobre os imigrantes bolivianos ilegais que trabalham nas confecções de São Paulo. Trabalho de conclusão do curso. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.; Silva, 2009SILVA, Carlos Freire da. Precisa-se: bolivianos na indústria de confecções em São Paulo. Travessia. Revista do migrante, n. 63, p. 5–11, 2009.; Orozco, 2016OROZCO, Ruth Cristina. Depois de abuso sexual, boliviana é escravizada em SP durante sete anos. Folha de São Paulo, 2016. Disponível em:<Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/minhahistoria/2016/02/1737230-depois-de-abuso-sexual-boliviana-e-escravizada-em-sp-durante-sete-anos.shtml#:~:text=Depois%20de%20abuso%20sexual%2C%20boliviana%20%C3%A9%20escravizada%20em%20SP%20durante%20sete%20anos,-L%C3%A9o%20Franco%2FTurma&text=Ruth%20Cristina%20Orozco%2C%2036%2C%20resolveu,do%20filho%20de%20dois%20anos > Acesso em: 11.10.2022.
https://www1.folha.uol.com.br/empreended...
; Lazzeri, 2020LAZZERI, Thais. Trabalho escravo, despejos e máscaras a R$ 0,10: pandemia agrava exploração de migrantes bolivianos em SP. Reporter Brasil, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2020/06/trabalho-escravo-despejos-e-mascaras-a-r-010-pandemia-agrava-exploracao-de-migrantes-bolivianos-em-sp/ >. Acesso em: 11.10.2022.
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). Diversas interlocutoras afirmaram que trabalhavam mais de 12 horas por dia, com pouco descanso e por menos de um salário-mínimo. Foram relatados casos em que os donos de oficinas não permitiam que elas fossem a um posto de saúde ou hospital para consultas de rotina ou de emergência. Muitas não tinham acesso à alimentação adequada em quantidade e nutrientes. A pesquisadora principal conversou com mulheres que três dias depois do parto haviam voltado ao trabalho e que amamentavam enquanto costuravam. O trabalho em oficinas está relacionado ao risco de contrair tuberculose e outros problemas de saúde (Martínez, 2010MARTÍNEZ, Vanessa Nogueira. Equidade em saúde: o caso da tuberculose na comunidade de bolivianos na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, 2010.; Carneiro Junior et al., 2018CARNEIRO JUNIOR, Nivaldo; SILVEIRA, Cássio; SILVA, Lia Maria; YASUDA, Maria Aparecida. Bolivian migration and Chagas disease: boundaries for the action of the Brazilian National Health System (SUS). Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 22, n. 64, p. 87-96, 2018.).

É importante ressaltar o papel da indústria de moda nas precárias situações das trabalhadoras em oficinas domiciliares. A maioria das condições insalubres, perigosas e violentas encontradas em muitos desses espaços é resultado de um fenômeno maior: a terceirização e precarização do trabalho de confecção de roupas no Sul Global. A cadeia de produção é fundamentada num processo acentuado de terceirização, que desliga as marcas de moda completamente da produção. Dessa forma, o processo ocasiona a desresponsabilização das poderosas empresas de moda pelas condições do trabalho e moradia enfrentados em oficinas e domicílios nos países onde mais realizam a confecção (Leite et al., 2017LEITE, Marcia de Paula; SILVA, Sandra Roberta Alves; GUIMARÃES, Pilar Carvalho. O Trabalho na confecção em São Paulo: as novas formas da precariedade. Caderno CRH, v. 30, n. 79, p. 51-67, 2017.). Nesta conjunção, aumentam as condições de insalubridade e baixa remuneração.

A intersecção de migração e cuidados em saúde é um tema de estudo crescente no Brasil (Martin et al., 2018MARTIN, Denise; GOLDBERG, Alejandro; SILVEIRA, Cassio. Imigração, refúgio e saúde: perspectivas de análise sociocultural. Saúde e Sociedade, v. 27, n. 1, p. 26-36, 2018.; Risson et al., 2018RISSON, Ana Paula; MATSUE, Regina Yoshie; LIMA, Ana Cristina Costa. Imigração haitiana para Chapecó (Santa Catarina): implicações de um novo fenômeno no Sistema Único de Saúde. In: GOLDBERG, Alejandro; SILVEIRA, Cássio; COVIELLO, Denise (orgs.). Migração, refúgio e saúde. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2018.). Os serviços públicos de saúde são importantes para a inserção dos migrantes. No Brasil, não há regulamentação nacional específica para o acesso à saúde pelos migrantes e refugiados. Os princípios normativos explicitados na Constituição Federal Brasileira e em sua Lei Complementar, a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecem que o acesso aos serviços de saúde deve ser universal e gratuito, qualquer que seja a situação documental, regularizada, ou não, independentemente de sua nacionalidade (Paim et al., 2011PAIM, Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Celia; BAHIA, Ligia; MACINKO, James. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. The Lancet, v. 377, n. 9779, p. 1778-1797, 2011.). Assentado sobre os princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade, o SUS dispõe que todos devem ter acesso aos cuidados em saúde por meio de sua rede de atenção à saúde, mesmo aqueles que não portam qualquer documento de identificação. Assim, o atendimento à saúde é assegurado a todas as pessoas a partir de sua chegada ao Brasil, sem qualquer ônus ou penalidade devido à sua condição. De acordo com o princípio da equidade, a vulnerabilidade deve ser considerada e o Estado deve tratar de forma diferente os indivíduos, a fim de que cada um tenha as mesmas oportunidades, no sentido da igualdade e de justiça social, ou seja, deve levar em conta as diferenças sociais, biológicas, econômicas e culturais dos sujeitos (Silva, Lima, 2017SILVA, Leda Maria; LIMA, Sarah. Os imigrantes no Brasil, sua vulnerabilidade e o princípio da igualdade. Rev. Bras. Polít. Públicas, v. 7, n. 2, p. 384-403, 2017.; Paim, 2013PAIM, Jairnilson Silva. A Constituição Cidadã e os 25 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cadernos de Saúde Pública, v. 29, n. 10, p. 1927-1936, 2013.).

O Cartão SUS muitas vezes serve como a primeira forma de identificação de imigrantes no Brasil. É um documento muito mais fácil de conseguir do que o Registro Nacional Migratório (RNM) (Serrano, 2021SERRANO, Samantha L. Cuidados sem fronteiras: mulheres imigrantes bolivianas, maternagem e saúde na Grande São Paulo. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2021.). Os imigrantes só precisam apresentar um cartão de identificação com foto (que pode ser do país de origem) e uma prova de residência (como uma conta de luz recente) na Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende sua região2 2 Para migrantes morando em favelas, o requisito da prova de residência foi uma barreira para inscrição no SUS. Em um município na Grande São Paulo, para conseguir o cartão SUS, era necessário se integrar em uma igreja que trabalhava diretamente com a Secretária de Saúde do município para criar uma lista de cadastramento. Somente os que estavam em contato com os trabalhadores de serviço social desta igreja tinham como se inscrever através desta lista, que um trabalhador da igreja admitiu era um “quebra-galho” até achar uma resolução melhor. .

As mulheres migrantes bolivianas enfrentam obstáculos no acesso aos serviços em saúde na Grande São Paulo: barreiras linguísticas e socioeconômicas; falta de conhecimento do SUS; entendimentos diferentes do corpo, doença e saúde; além de tratamento desigual por racismo, sexismo, xenofobia e/ou classismo. A violência doméstica é um problema no acesso a cuidados em saúde. Um estudo comparativo da Organização Pan-Americana de Saúde em doze países Latino-Americanos (o Brasil incluído) mostrou que mulheres bolivianas sofriam mais violência sexual e física pelo seu cônjuge ou ex-cônjuge do que mulheres de qualquer outro país estudado, o que afetaria 53% dessa população (Bott et al., 2013BOTT, Sarah; GUEDES, Alessandra; GOODWIN, Mary; MENDOZA, Jennifer A. Violencia contra las mujeres en América Latina y el Caribe-Análisis comparativo de datos poblacionales de 12 países. Washington: Organización Panamericana de la Salud, 2013. ). Segundo o Vice-Ministro de Igualdade de Oportunidades da Bolívia, 90% das mulheres bolivianas são vítimas de algum tipo de violência e 87% delas sofrem essa violência por membros da sua família (Lind, 2016LIND, Peter Lykke. Can Bolivia’s new measures counteract gender violence? Al Jazeera, 2016. Disponível em: < Disponível em: https://www.aljazeera.com/features/2016/7/28/can-bolivias-new-measures-counteract-gender-violence > Acesso em: 11.10.2022.
https://www.aljazeera.com/features/2016/...
). Em comparação, segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de mulheres vítimas de violência pelo cônjuge é de 29% para mulheres entre casais com idade de 15 a 49 anos na grande São Paulo (Garcia-Moreno et al., 2006GARCIA-MORENO, Claudia; JANSEN, Henrica; ELLSBARG, Mary; HEISE, Lori; Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet, v. 368, n. 9543, p. 1260-1269, 2006.). Em 2003, AndradeANDRADE, Marta Campagnoni. Violência contra a mulher e exclusão social: estudo entre subgrupos de populações usuárias do Centro de Saúde Escola Barra Funda - Dr. Alexandre Vranjac. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. evidenciava que migrantes Bolivianas relataram ter sofrido 30% a mais situações de violência doméstica em relação às demais usuárias dos serviços em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no centro de São Paulo. Todavia, há poucas pesquisas que buscam entender as experiências de violência doméstica e como as autoridades e as vítimas lidam com esta questão.

O problema da violência doméstica na comunidade migrante é complexo e inclui mudanças culturais, econômicas e sociais, que vêm ocorrendo no processo de integração desta população. Segundo as observações desta pesquisa, os impactos e as possibilidades das mulheres migrantes conseguirem fugir das situações de violência doméstica são configurados pelo isolamento de comunidades no país de origem e a criação de novas comunidades e vínculos; por mudanças na estrutura e nas dinâmicas de gênero na família; por maior acesso a cuidados em saúde através do sistema de saúde público (o SUS), pelo medo da polícia devido ao status ilegal como migrante e por barreiras linguísticas.

Segundo a lei complementar à lei Maria da Penha, Lei nº 150 (Brasil, 2015BRASIL. Lei Complementar No 150, 01 de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, v. 152, n. 103, p. 1, 2015, Seção 1.), no Brasil, a violência doméstica e familiar contra a mulher é definida como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial...”

Schraiber e D’Oliveira acrescentam que:

Enunciada como prática da tradição nos relacionamentos amorosos em especial, a violência cometida por pessoas íntimas, que envolve também filhos, pais, sogros e outros parentes ou pessoas que vivam na mesma casa - a que chamaríamos de violência doméstica - está profundamente arraigada na vida social, sendo percebida como situação normal. (1999SANTOS, Jetro; DREZETT, Jefferson; ALVES, Alan de Loiola. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002‐2014. Reprodução & Climatério, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015., p. 13)

Para compreender a violência doméstica, as condições de trabalho e moradia das vítimas devem ser consideradas. A maioria das bolivianas que migram para o Brasil vem para trabalhar em oficinas de costura, em condições específicas de trabalho e moradia. A família inteira geralmente mora e trabalha no mesmo lugar, muitas vezes com outras famílias ou indivíduos em condições precárias e com pouca acessibilidade à comunidade e serviços fora da oficina (Goldberg, Silveira, 2012GOLDBERG, Alejandro; SILVEIRA, Cassio. Social inequality, access conditions to public health care and processes of care in Bolivian immigrants in Buenos Aires and São Paulo: a comparativa inquiry. Saúde e Sociedade, v. 22, n. 2, 2012.).

3. Metodologia

Os dados qualitativos deste texto têm origem em uma etnografia multilocalizada sobre as experiências de mulheres migrantes bolivianas na maternidade e os cuidados em saúde da família na grande São Paulo3 3 Segundo Marcus (1995), a etnografia multilocalizada é conduzida por uma pesquisadora (ou uma equipe de pesquisadores) que acompanham e estudam pessoas, bens, histórias, biografias ou conflitos em localizações mais ou menos delimitadas. Para Marcus, a multiplicidade de locais de observação incita a pesquisadora a catalogar ligações entre os locais e retratar um sistema de localidades interconectadas. . As atividades envolvidas no trabalho de campo incluíram: trabalho voluntário em uma ONG (Organização Não Governamental) católica que ajuda migrantes com documentação e educação; trabalho voluntário em uma ONG gerenciada por migrantes bolivianos evangélicos; acompanhamento de duas rodas de conversa mensais de mulheres migrantes; trabalho voluntário na triagem em campanha de saúde para migrantes; entrevistas em profundidade semiestruturadas com nove mães migrantes bolivianas e um grupo focal com oito mães bolivianas migrantes em um município periférico da Grande São Paulo. A pesquisadora principal também acompanhou duas interlocutoras em consultas médicas no SUS. Nesses ambientes diversos, a pesquisadora principal conheceu e conversou com várias migrantes bolivianas. A violência doméstica foi um problema recorrente. Os dados utilizados vêm do caderno de campo e das transcrições das entrevistas semiestruturadas e do grupo focal. A pesquisa de campo foi realizada no período de maio de 2017 a novembro de 2018.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (no: 62550316.8.0000.5505). Para manter o anonimato e segurança, todos os nomes utilizados neste texto são pseudônimos e alguns detalhes das histórias podem ter sido ocultados. Todas as entrevistas foram conduzidas em espanhol, a primeira língua de todas as interlocutoras.

4. Resultados e Discussão

Nos relatos sobre a violência doméstica, as interlocutoras revelaram suas experiências e preocupações com outras mulheres na comunidade migrante, amigas e família, que também haviam enfrentado esta situação de diversas formas. A pesquisadora principal conversou com duas mulheres, Victoria e Bárbara. Suas histórias serão estudos de caso etnográficos, evidenciando como a violência doméstica é vivida por mulheres migrantes bolivianas moradoras em oficinas de costura e suas interfaces com os serviços de saúde. Outras interlocutoras também foram citadas para desenvolver a análise sobre o tema.

4.1 Victoria

A pesquisadora principal conheceu Victoria através de contatos com um coletivo intercultural de mulheres migrantes. Na época da entrevista formal, Victoria tinha 37 anos e dois filhos, um pré-adolescente e uma adolescente. Sobreviveu ao trabalho identificado por ela como análogo à escravidão em duas oficinas. Com a ajuda de amigos, há quatro anos conseguiu comprar duas máquinas de costura para trabalhar como autônoma e alugar um quarto para sua família na casa de uma proprietária boliviana na Zona Norte de São Paulo. Nesta época, o pai dos seus filhos, seu ex-marido, regularmente batia nela e a ameaçava no caso de tentar fugir:

...en eses dias él me decía, “Tú no vas a vivir con nadie más. Yo te voy a matar. Si no vas a quedarte conmigo...Si no vas conmigo, no vas a vivir con nadie”. - Victoria

Victoria relatou que ele era alcoolista e não trabalhava. O abuso sofrido foi descoberto pelos profissionais de saúde na Unidade Básica de Saúde (UBS) quando identificaram hematomas nos braços e no rosto durante uma consulta de rotina. Foi oferecida ajuda para reportar o abuso, mas ela foi informada que seria um longo processo e teria que ir a vários lugares e falar com muitas autoridades em português, língua que não dominava. Como era a única geradora de renda e seu pagamento era feito por peça costurada, considerou que não teria tempo para um desfecho positivo no processo de denúncia da violência. O ex-marido continuou a abusá-la até que abandonou a família para voltar para a Bolívia com outra mulher com quem ele já mantinha relações extraconjugais. Pouco tempo depois do ex-marido deixá-la, Victoria foi diagnosticada com depressão e hipertensão, o que seu médico relacionou ao estresse da violência que havia sofrido.

4.2 Bárbara

A pesquisadora principal conheceu Bárbara quando estava realizando trabalho voluntário na triagem de uma campanha de saúde no centro de São Paulo direcionada a migrantes em um sábado. Bárbara chegou à campanha porque sentia dor de estômago intensa, atribuída ao estresse. A dona da oficina onde ela trabalhava não permitia que fosse às unidades públicas de saúde durante a semana de trabalho. Na época, Bárbara tinha idade próxima aos 30 anos e um filho de 15 anos. Quatro anos antes do encontro com a investigadora principal, ela migrou da Bolívia para São Paulo com seu marido e filho. Trabalhou e morou em uma oficina no bairro Casa Verde (Zona Norte da cidade), onde começou a formar uma rede de contatos e conhecer o bairro. Menos de três meses antes do encontro com a pesquisadora principal, contra os desejos dela, seu marido decidiu que a família se mudaria para uma oficina na Vila Maria (também na Zona Norte da cidade, porém com acesso difícil à parte da cidade conhecida por ela). Bárbara ficou sem seus contatos e sentia-se muito sozinha. Na nova oficina, o marido começou a se relacionar com outra trabalhadora. Chegaram a praticar coito na sua frente, enquanto ela estava no mesmo quarto. Seu marido a ameaçou, dizendo que ela não poderia levar seu filho caso decidisse fugir.

Bárbara enfrentou uma situação bastante difícil também porque seu marido ficava com o dinheiro que ela recebia na oficina e eram constantes as humilhações verbais. Contou que não sairia daquela oficina sem seu filho e que tampouco tinha os recursos para uma fuga. A única pessoa com quem ela podia conversar sobre a situação, antes da pesquisadora principal, era a dona da nova oficina. A dona da oficina a orientou a relatar o caso para outras pessoas e a ir em busca de um médico para resolver a dor de estômago durante o fim de semana. Na campanha de saúde, a pesquisadora principal passou informações sobre recursos para mulheres vítimas de violência doméstica.

4.3 O contexto da violência doméstica

As duas narrativas, de Bárbara e de Victoria, mostram alguns exemplos das diversas formas de violência doméstica que são reproduzidas e perpetuadas contra mulheres migrantes bolivianas moradoras em oficinas domiciliares. O caso de Victoria demonstra como se articulam a violência de gênero, a precariedade do trabalho e as barreiras para o autocuidado e cuidado dos familiares. Qualquer tempo longe da máquina de costura representa uma perda em um salário baixo e instável no contexto de um país novo com pouco apoio de redes sociais. Esse caso também revela a necessidade de simplificar o processo inicial para denúncias de abuso e violência doméstica, bem como a necessidade de profissionais em saúde discutirem recursos específicos, por exemplo, ajuda financeira e alojamento, para vítimas de violência doméstica.

O caso de Bárbara exemplifica como o trabalho em oficina pode restringir a rede social dos trabalhadores, o controle sobre seu próprio tempo e a capacidade para buscar ajuda médica ou de outro tipo. Também mostra como a organização de certas oficinas pode dificultar a busca de ajuda para a vítima de violência doméstica. Nestes casos, a vítima trabalha e mora no mesmo espaço que seu abusador e isso facilita a manipulação emocional e financeira.

Em certos casos, Carneiro Junior (2011)CARNEIRO JUNIOR, Nivaldo; OLIVEIRA, Rute; JESUS, Christiane; LUPPI, Carla. Migração, exclusão social e serviços de saúde: o caso da população boliviana no centro da cidade de São Paulo. SUS: Mosaico de Inclusões, v. 13, n. 2, p. 177-181, 2011. argumenta que o estresse de migração, mudanças econômicas e culturais, e isolamento da família e de redes sociais do país de origem da mulher podem aumentar o risco da violência doméstica. Por outro lado, Tummala-Narra (2004)TUMMALA-NARRA, Pratyusha. Mothering in a Foreign Land. The American Journal of Psychoanalysis, v. 64, n. 2, p. 167-182, 2004. afirma que a migração, em muitos casos, fornece a oportunidade para uma mulher fugir da violência no seu país de origem e/ou permite ter acesso a recursos que não tinha antes de migrar, para lidar com problemas de saúde por conta da violência sofrida (no passado ou atualmente) como terapia psicológica e outros serviços. A maioria das interlocutoras deste estudo afirmou que não tinha acesso nas suas comunidades de origem aos serviços de saúde similares aos oferecidos pelo SUS no Brasil.

Uma das interlocutoras do estudo, Angela, migrou de La Paz com o propósito de ser independente financeiramente do seu ex-marido que a abusava fisicamente há anos. Angela relatou que a migração foi a única maneira para se distanciar e conquistar independência financeira. Ela chegou em São Paulo sozinha, e depois de alguns anos de trabalho em oficina, trouxe seus dois filhos para morar com ela.

Alguns dos efeitos sobre a saúde de mulheres vítimas de violência doméstica incluem: lesões corporais, dor crônica, problemas gastrointestinais, problemas ginecológicos (incluindo infecções sexualmente transmissíveis), depressão, transtorno de estresse pós-traumático e morte (Campbell, 2002CAMPBELL, Jacquelyn C. Health consequences of intimate partner violence. The Lancet, v. 359, n. 9314, p. 1331-1336, 2002.). Esses problemas não só afetam sua saúde geral como também influenciam como e quando procuram serviços médicos para elas e sua família. As mulheres podem ter dificuldade de buscar serviços por causa de medo do abuso ser descoberto ou denunciado. Mulheres migrantes podem sofrer racismo ou xenofobia, medo de deportação, de separação de suas famílias ou perda de contatos sociais, os quais já são geralmente limitados no novo país (Serrano, 2021SERRANO, Samantha L. Cuidados sem fronteiras: mulheres imigrantes bolivianas, maternagem e saúde na Grande São Paulo. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2021.).

De acordo com Schraiber e d’Oliveira (1999SCHRAIBER, Lilia B.; D’OLIVEIRA, Ana Flávia Lucas Pires. Violência contra mulheres: interfaces com a Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 3, n. 5, p. 13-26, 1999.), em estudos sobre mulheres brasileiras em situação de violência, estas procuram pelos serviços de saúde mais do que aquelas que não se encontram nessa circunstância, pelos efeitos crônicos da agressão. Para as autoras, os profissionais tendem a compreender a violência doméstica como problemática da esfera da Segurança Pública e da Justiça, e não de saúde. Assim, profissionais de saúde normalmente não estão preparados para proporcionar cuidados efetivos à saúde das vítimas.

Kiss et al. (2012KISS, Ligia; D’OLIVEIRA, Ana Flavia; ZIMMERMAN, Cathy; HEISE, Lori; SCHRAIBER, Lilia; WATTS, Charlotte. Brazilian policy responses to violence against women: Government strategy and the help-seeking behaviors of women who experience violence. Health and Human Rights: An International Journal, v. 14, n. 1, p. 1-14, 2012.) utilizaram dados coletados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) de 940 mulheres de 15 a 49 anos de idade em relações íntimas heterossexuais estáveis no município de São Paulo. Deste grupo, 27,2% das respondentes relataram ter sofrido violência física por seu parceiro íntimo. Não existem estudos quantitativos que revelem a dimensão da violência doméstica sofrida pelas mulheres migrantes bolivianas em São Paulo. Com base nas interlocutoras deste estudo, uma pesquisa quantitativa seria limitada porque a maioria dos casos relatados não é denunciada. No estudo citado, só 33,8% das mulheres que haviam sofrido violência em São Paulo buscaram ajuda em serviços formais na cidade. Segundo os autores, houve a percepção das mulheres sobre a falta de ação de assistência nas delegacias. A mesma falta de confiança no sistema de justiça foi relatada pelas interlocutoras bolivianas em São Paulo:

(uma amiga) Tenía un amigo que era médico general, él me evaluó e me sacó un B.O. (testemunho). Y presentamos esto para la policía. Sólo, ¿qué acontece? Es un proceso grande, así y yo dije, “¡Para!” Porque yo tengo que andar, primero tengo que perder tiempo y otro, “¿Quién sabe si va a resolver o no?” dije.- Victoria

Das mulheres que participaram do estudo de Kiss et al., em São Paulo, 73,9% contaram para alguém os episódios de violência sofridos. Dentre as que haviam sofrido violência física por parceiro íntimo que não buscaram ajuda, 10% disseram que não o fizeram por medo e 6,7% por vergonha. Segundo Terra et al. (2015TERRA, Maria Fernanda; D’OLIVEIRA, Ana Flávia Lucas Pires; SCHRAIBER, Lilia B. Medo e vergonha como barreiras para superar a violência de gênero. Athena Digital, v. 15, n. 3, p. 109-125, 2015.), o sentimento das mulheres de que estão sozinhas e sem direito à proteção do Estado as deixa numa condição de culpa, medo, vergonha e responsabilidade sobre a situação de violência doméstica passada (por ficarem com o agressor). Nos casos das interlocutoras deste estudo, Victoria revelou que sentiu vergonha e medo.

Nos callamos por vergüenza y otro por miedo. Entonces una lleva adentro. Se lo guarda y ni podemos contar para la familia y los familiares. Yo no contaba a los familiares para no sufrir ellos, para no causar problemas aún más grandes. Entonces una calla. Pero eso no es bueno, trancado. - Victoria

Santos et al. (2015SANTOS, Jetro; DREZETT, Jefferson; ALVES, Alan de Loiola. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002‐2014. Reprodução & Climatério, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015.) compararam as incidências de violência na área de desigualdade de gênero entre mulheres migrantes bolivianas e mulheres brasileiras. O estudo abordou mulheres migrantes bolivianas que buscaram atendimento para aborto legal por causa de violência sexual em São Paulo entre 2002-20144 4 Algumas interlocutoras citaram o fato de que, por ter que morar com homens desconhecidos nas oficinas, não da família, havia mais vulnerabilidade para elas e suas filhas serem vítimas de estupro e violência sexual em geral. Como os pais têm que trabalhar por muitas horas seguidas, as crianças ficam com pouca supervisão. Uma das interlocutoras também confessou o medo de violência: em uma época teve que dormir no mesmo quarto com homens que não eram da família. Foram documentados vários casos de estupro e abuso sexual dentro de oficinas na grande São Paulo (Time Modefica, 2017). . Os autores concluíram que, em vários aspectos, a violência sexual contra migrantes bolivianas em São Paulo é similar à vivida por mulheres de outros grupos demográficos em grandes centros urbanos. Porém, os resultados também indicaram que é mais comum para as migrantes bolivianas serem vítimas de estupro praticado com violência física, bem como verificam-se menores possibilidades de comunicar o crime para a polícia.

Os autores afirmam que a informalidade e a precariedade das condições de trabalho em oficinas, bem como a falta de documentação regularizada de muitas migrantes bolivianas as impede de conhecer sobre saúde e direitos, sobretudo quanto a experiências com violência. A falta de comunicação com os sistemas públicos de atendimento dificulta a superação da situação de violência e vulnerabilidade que vivenciam, no acesso aos recursos de saúde, educativos e jurídicos.

4.4 Espaço e Lugar

Estudos como os de Santos et al. (2015SANTOS, Jetro; DREZETT, Jefferson; ALVES, Alan de Loiola. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002‐2014. Reprodução & Climatério, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015.) e os relatos das interlocutoras deste estudo mostram como é necessário analisar as questões de espaço e lugar nas oficinas de costura domiciliares, evidenciando o impacto e as circunstâncias de muitos casos de violência que sofrem as mulheres migrantes bolivianas na Grande São Paulo. É interessante observar que esses conceitos de lugar e espaço têm sido contemplados na antropologia na sua formação e continuam a ser discutidos (Douglas, 1978DOUGLAS, Mary. Cultural Bias. (Occasional Paper No. 35. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland). London: Royal Anthropological Institute, 1978.; DaMatta, 1983DaMATTA, Roberto. Carnaval, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema. Rio de Janeiro: Rocco. 1983.).

John Agnew (2005AGNEW, John. Chapter 5: Space: Place. In: CLOKE, Paul; JOHNSTON, Ron. Spaces of Geographical Thought: Deconstructing Human Geography’s Binaries. London: SAGE Publications Limited, 2005, p. 81-96.) distingue entre o lugar e o espaço por afirmar que o espaço é geral e o lugar é particular. Lugar é uma localização ou cenário onde as atividades cotidianas acontecem, como um lugar de trabalho, um lar, uma igreja ou um hospital. Segundo Rodman (1992RODMAN, Margaret C. Empowering place: Multilocality and multivocality. American anthropologist, v. 94, n. 3, p. 640-656, 1992.), lugares são construídos socialmente pelas pessoas que os ocupam e conhecem. São construções múltiplas que são específicas historicamente, são politizadas e relativas culturalmente. Estudos antropológicos recentes sobre espaço e lugar, por exemplo, abordam a questão de lugares específicos como praças, museus, ou lojas como espaços privados ou públicos, suas definições, papéis e significados na sociedade ou na cultura (Low, 2000LOW, Setha M. On the plaza: The politics of public space and culture. Austin, TX: University of Texas Press, 2000.; Cieraad, 2006CIERAAD, Irene. At home: an anthropology of domestic space. New York: Syracuse University Press, 2006.; Sidaway, 2016SIDAWAY, James D. Deathscapes: Spaces for death, dying, mourning and remembrance. Farnham, GB: Routledge, 2016.). As oficinas, para migrantes bolivianas, enquanto lugares específicos, são únicas porque, na maioria dos casos, são o lar e o lugar de trabalho. Muitas vezes limitando o acesso a espaços públicos e, consequentemente, a recursos públicos e as possibilidades de possuírem contatos sociais fora da oficina.

Foucault (1975FOUCAULT, Michel. Discipline and punish: The birth of the prison. New York: Vintage, 1975.) aborda a relação entre o poder e o espaço por afirmar que a arquitetura é uma tecnologia política que se utiliza para a canalização da vida cotidiana. O objetivo desse tipo de tecnologia é para criar um corpo dócil/obediente através do confinamento, vigilância e organização de indivíduos em um espaço (Rabinow, 1982RABINOW, Paul. Ordonnance, discipline, regulation: some reflections on urbanism. Humanities in Society, v. 5, n. 3-4, p. 267-278, 1982.). Para Low (2009______. Towards an anthropological theory of space and place. Semiotica, n. 175, p. 21-37, 2009.), o espaço é corporificado como a localização onde a experiência humana e a consciência tomam formas materiais e espaciais. Esse conceito oferece uma abordagem útil para entender a criação de lugar através de orientação espacial e movimento. O espaço corporificado é complexificado sob a ótica da análise feminista do corpo. Revela-se como uma entidade situada, colonizada e marcada pelo gênero (Scott, 1996SCOTT, Joan. Feminism and history. Oxford: Oxford University Press, 1996.). Sendo assim, as interlocutoras desse estudo, mulheres migrantes, de baixa renda e principalmente de etnia indígena, enfrentam um sistema de barreiras por serem moradoras em oficinas domiciliares que, muitas vezes, as isola, dificultando a possibilidade fugir ou de denunciar a violência, especialmente com outras pessoas ocupando o espaço (seus maridos, parceiros e/ou donos de oficina). Muitas vezes, seus agressores e outros sujeitos exercem poder físico, social, econômico e cultural sobre elas.

A maioria das oficinas também são espaços inerentemente transnacionais. Segundo Schiller et al. (1992SCHILLER, Nina Glick; BASCH, Linda; BLANC-SZANTON, Cristina. Towards a transnational perspective on migration: Race, class, ethnicity and nationalism reconsidered. New York: Academy of Sciences, 1992.), a partir de uma abordagem antropológica, o conceito de espaço transnacional é utilizado para descrever a maneira como migrantes vivem suas vidas através das fronteiras e mantém seus vínculos com sua comunidade de origem, apesar de que seus lugares de origem e de residência são distantes geograficamente.

Ainda que existam oficinas com proprietários brasileiros, coreanos, entre outros e há trabalhadores que são brasileiros, paraguaios etc., quase todas as interlocutoras deste estudo afirmaram trabalhar em oficinas em que todos os residentes eram bolivianos, muitas vezes da sua família, da sua aldeia ou bairro na Bolívia. As mulheres mantêm vínculos com sua comunidade de origem, transferindo remessas para suas famílias, trazendo membros da sua família ou comunidade para trabalhar, falando nas línguas nativas e seguindo práticas culturais e códigos morais e sociais da sua comunidade de origem.

Frequentemente, espaços transnacionais também são espaços de resistência, promovendo mudanças culturais e de identidade. Aihwa Ong (1999ONG, Aihwa. Flexible citizenship: The cultural logics of transnationality. Durham: Duke University Press, 1999.) afirma que a criação de espaços transnacionais produz novos meios para construir identidade e podem criar zonas de soberania graduada baseadas em movimento acelerado de pessoas, capital, conhecimento e cultura. Os espaços transnacionais de oficinas podem proporcionar oportunidades econômicas em termos de mobilidade de classe e independência financeira para migrantes. Criam-se comunidades que compartilham uma cultura e língua, enriquecem com aprendizagem das referências culturais no novo país e fazem aportes econômicos e socioculturais.

Nos cenários em que a oficina fica isolada, com empregados trabalhando muitas horas por salários insuficientes e residindo no mesmo lugar, as vítimas de violência doméstica ficam frequentemente enclausuradas e sem oportunidade de denunciar ou escapar da situação. Foram descritos vários casos de mulheres que não levaram para as autoridades locais os casos de violência. Em alguns casos, essas mulheres dependiam dos conselhos e das decisões de outras pessoas que moravam nas oficinas.

Um destes casos foi relatado por uma mulher boliviana na periferia de São Paulo. Ela contou como a sua vizinha, Gisele, apanhava de seu marido em frente ao filho. Gisele suportou o abuso até que o filho pré-adolescente começou a ter problemas na escola porque tinha medo de que o pai matasse sua mãe. Nesse contexto, o filho praticamente não dormia. Gisele falou com a dona da oficina, sua tia, para pedir o dinheiro ganho e encontrar outra oficina para trabalhar, longe do marido e da situação de abuso. A tia afirmou que não a deixaria sair até ela voltar para Bolívia para pedir permissão para os padrinhos do casamento (outro casal de tios) para acabar com o casamento. Gisele conseguiu voltar para Bolívia e foi aconselhada a continuar com o marido e aceitar o abuso por ele ser “a cabeça do casamento”. Ao voltar, a tia não a deixou sair com seu dinheiro e Gisele, como pensou que não conseguiria apoio e não sabia onde fugir, permaneceu ao lado do marido e o abuso continuou.

Nesse caso, o espaço transnacional fez com que Gisele ficasse sem os recursos para sair da situação de violência, tanto do país de origem como em São Paulo. Em um país novo, seu isolamento na oficina reforça o poder físico, econômico, social e cultural exercidos pelo marido, tia e familiares. O espaço transnacional ainda é corporificado e o corpo é situado e colonizado, fazendo a mulher sofrer com a violência de gênero de seus familiares, impedindo a saída da situação de violência.

5. Considerações Finais

Uma análise centrada nos efeitos da violência doméstica na saúde de bolivianas migrantes e seu acesso a cuidados em saúde é necessária. Adicionalmente, faltam pesquisas sobre capacitação efetiva de profissionais em saúde sobre vulnerabilidades de mulheres migrantes e questões de violência. Campanhas de saúde efetivas para migrantes que abordam questões de violência e desigualdade de gênero são vitais.

A violência de gênero é uma questão relevante e preocupa-nos os cortes de recursos públicos e cuidados em atenção primária para vítimas de violência e em saúde da mulher nos níveis municipais, estaduais e federais, na Grande São Paulo e no Brasil em geral (Galvão, 2017GALVÃO, César. Gestão Doria corta verba de atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica. Globo, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/gestao-doria-corta-verba-de-atendimento-a-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica.ghtml > Acesso em: 11.10.2022.
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/g...
; Brandalise, 2020; Azenha, 2021AZENHA, Manuela. Lei Maria da Penha: gestão “cor de rosa” de Damares enxuga orçamento ano a ano. Marie Claire, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2021/08/lei-maria-da-penha-gestao-cor-de-rosa-de-damares-enxuga-orcamento-ano-ano.html >. Acesso em: 11.10.2022.
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).

A violência doméstica impacta nas vidas de muitas migrantes bolivianas e revela efeitos em sua saúde e nas condições de acesso aos serviços de saúde. Além disso, a diminuição de recursos para vítimas de violência doméstica aumenta a necessidade de documentar como esse problema afeta as vidas dessas mulheres. Levando em conta as vulnerabilidades específicas deste grupo, é preciso contemplar a inclusão de mulheres migrantes em conjunto com outros grupos nas políticas públicas de atenção social e à saúde.

De acordo com Kiss et al. (2012KISS, Ligia; D’OLIVEIRA, Ana Flavia; ZIMMERMAN, Cathy; HEISE, Lori; SCHRAIBER, Lilia; WATTS, Charlotte. Brazilian policy responses to violence against women: Government strategy and the help-seeking behaviors of women who experience violence. Health and Human Rights: An International Journal, v. 14, n. 1, p. 1-14, 2012.), a vergonha e o medo são fatores que impedem a denúncia da violência. Uma das condições para reduzir a vulnerabilidade das mulheres vítimas é “superar a visão individualizada do medo e da vergonha como ‘faltas’ subjetivas das mulheres” (p. 120). Também é importante compreender que esses sentimentos têm base na realidade concreta vivida por elas em suas comunidades e nas suas relações familiares e culturais.

Os casos detalhados acima mostram a necessidade de campanhas para a prevenção e a consciência sobre a violência doméstica especializadas para atingir e serem acessíveis (linguística, socioeconômica e culturalmente) para trabalhadores em oficinas e seus proprietários. Materiais sobre como reconhecer a violência doméstica, como denunciá-la e listas de recursos com descrições devem estar disponíveis em espanhol, Quéchua e Aymara (línguas indígenas comuns na Bolívia) em lugares frequentados pela população boliviana na grande São Paulo e em bairros onde há concentração de oficinas. O programa de agentes comunitários de saúde, bem-sucedido ao acessar estes locais de trabalho e moradia, precisa ser expandido e incluir mais trabalhadoras bolivianas em comunidades com oficinas (Steffens, Martins, 2016STEFFENS, Isadora; MARTINS, Jameson. “Falta um Jorge": a saúde na política municipal para migrantes de São Paulo (SP). Lua Nova, v. 98, 2016.). Os agentes comunitários devem ser capacitados para orientar sobre violência doméstica e poder falar sobre recursos para pessoas afetadas, especialmente os que podem ajudar com apoio financeiro, hospedagem e segurança. O receio e desconfiança da polícia, muitas vezes pelo status irregular e experiências xenofóbicas ou racistas, amplia a necessidade de capacitação de profissionais de saúde para entender e informar pacientes sobre políticas como a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006BRASIL. Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, v. 143, n. 125, p. 1, 2006, Seção 1. ) e recursos para pessoas enfrentando violência. Estes profissionais são um dos poucos pontos de contato fora das oficinas para muitas mulheres moradoras de oficinas domiciliares. No caso de imigrantes latinos, é necessário que as Unidades Básicas de Saúde (UBS), as unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e hospitais nos bairros com oficinas sempre tenham intérpretes de espanhol e línguas indígenas/outras línguas se possível.

As indústrias de moda precisam ser fiscalizadas e responsabilizadas em casos de violência em oficinas domiciliares terceirizadas. Como evidenciado neste texto, a exploração financeira e absolvição de supervisão por parte das grandes indústrias podem criar situações de moradia e trabalho precários que apresentam ameaças à saúde e à segurança das trabalhadoras e suas famílias.

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  • 1
    Uma queixa comum das interlocutoras proprietárias de oficinas foi a dificuldade de regularizar pelos custos e burocracia, embora fosse uma preocupação importante. Todas as oficinas não regularizadas queriam acertar a situação jurídica. As oficinas regularizadas têm mais benefícios e poder para negociar o preço cobrado. Uma interlocutora relatou que no início da crise financeira do Brasil, em 2016, as empresas propuseram pagar a metade do preço por peça pago anteriormente na oficina irregular. Ela percebeu que eram cobrados os mesmos preços que antes nas lojas onde vendiam as peças. Entretanto, ela não podia negociar com as empresas por necessidade de trabalho e falta de outras opções.
  • 2
    Para migrantes morando em favelas, o requisito da prova de residência foi uma barreira para inscrição no SUS. Em um município na Grande São Paulo, para conseguir o cartão SUS, era necessário se integrar em uma igreja que trabalhava diretamente com a Secretária de Saúde do município para criar uma lista de cadastramento. Somente os que estavam em contato com os trabalhadores de serviço social desta igreja tinham como se inscrever através desta lista, que um trabalhador da igreja admitiu era um “quebra-galho” até achar uma resolução melhor.
  • 3
    Segundo Marcus (1995), a etnografia multilocalizada é conduzida por uma pesquisadora (ou uma equipe de pesquisadores) que acompanham e estudam pessoas, bens, histórias, biografias ou conflitos em localizações mais ou menos delimitadas. Para Marcus, a multiplicidade de locais de observação incita a pesquisadora a catalogar ligações entre os locais e retratar um sistema de localidades interconectadas.
  • 4
    Algumas interlocutoras citaram o fato de que, por ter que morar com homens desconhecidos nas oficinas, não da família, havia mais vulnerabilidade para elas e suas filhas serem vítimas de estupro e violência sexual em geral. Como os pais têm que trabalhar por muitas horas seguidas, as crianças ficam com pouca supervisão. Uma das interlocutoras também confessou o medo de violência: em uma época teve que dormir no mesmo quarto com homens que não eram da família. Foram documentados vários casos de estupro e abuso sexual dentro de oficinas na grande São Paulo (Time Modefica, 2017TIME MODEFICA. Mulheres Imigrantes Na Costura. A rede produtiva da moda em São Paulo sob uma perspectiva de gênero. Modefica, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.modefica.com.br/mulheres-imigrantes-costura-sao-paulo/ . Acesso em: 11.10.2022
    https://www.modefica.com.br/mulheres-imi...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2022
  • Aceito
    04 Ago 2022
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