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VOCI DI DONNE MIGRANTI, di Claudia Carabini, Dina De Rosa e Cristina Zaremba (orgs.)

Voices of migrant women, by Claudia Carabini, Dina De Rosa and Cristina Zaremba (orgs.)

O livro Voci di Donne Migranti apresenta uma proposta muito interessante: possibilitar que 21 mulheres migrantes de países africanos, europeus, asiáticos e sul-americanos narrem processos migratórios e seus medos, expectativas, decepções e reflexões relacionados a elas. Além desse esforço de entrevistas realizado em Roma entre março de 2006 e março de 2007, as autoras fornecem aos leitores algumas discussões sobre as migrações femininas na Itália e sobre os significados e papéis desempenhados por essas mulheres. Contribuem para esse esforço analítico a apresentação feita por Isabella Peretti, a análise de Antonella Martini com base nos depoimentos das entrevistadas e os comentários de Maura Cossutta sobre como criar um sistema sanitário que seja adequado para as necessidades dos migrantes, de Cecilia Bartoli sobre a questão de pertencimento dos filhos e de Mercedes Frias que faz uma panorama sobre a relação entre as remessas das migrantes e o cuidado com seus filhos.

O ponto alto do livro está nas narrativas das migrantes. Elas são agentes de suas histórias e percursos migratórios, o que é observado até mesmo nos relatos mais trágicas como a da somali Sahra que perdeu toda sua família na guerra e teve que andar grávida longas distâncias e teve sua filha sozinha no meio do deserto, alcançado a Itália para garantir tratamento para a pequena. São diversas as causas que as levaram para Roma: refúgio, casamento, engano, busca por trabalho e aventura, porém, todas essas mulheres de uma maneira ou de outra foram buscar melhores condições de vida no país, o que nem sempre foi alcançado. A estratégia de entrevista e o fluir das narrativas permitem observar que essas mulheres refletem sobre si mesmas e sobre as relações com o outro e com o novo país, tentando definir seu lugar de pertencimento entre duas culturas, línguas e realidades. As protagonistas mencionam as diferenças de costumes e de comida, a barreira de língua, muitas vezes de religião e se comparam com a mulher italiana e os papéis por ela desempenhados.

Outro tema interessante que a leitura permite nos questionar é se os imigrantes estão sendo inseridos no mercado de trabalho da melhor forma. Muitas mulheres tinham título e estudos em seus países de origem tais como a romena Dana que se formou em informática e em engenharia. Contudo, quando chegam à Itália, sua qualificação não é considerada e elas têm que aceitar trabalhos de limpeza de casas e de cuidado de idosos e de crianças, o que não corresponde ao seu grau de instrução nem às suas expectativas profissionais. A delegação de tais atividades laborais para as mulheres revela que a sociedade italiana insere as mulheres migrantes de acordo com papéis de gênero bem definidos, correspondendo a elas cuidar da casa, das crianças e dos mais velhos.

Outra questão observada é a dificuldade de muitos italianos de aceitar o estrangeiro (o diferente, o outro) como um igual dentro de sua sociedade. Tal situação, recorrente não só na Itália, revela atitudes xenofóbicas que são narradas por algumas entrevistadas em momentos como no hospital quando a médica comenta “esses estrangeiros...” ou pelo fato de se sentirem preteridas em relação aos cuidados dispensadas às italianas dentro de facilidades médicas. Além disso, o número de casamentos mistos entre as imigrantes e os italianos é muito menor, visto que grande parte das entrevistadas se casa com homens de sua mesma nacionalidade. Seriam esses tipos de relacionamento com os conacionais uma forma de manter as tradições, os costumes e de achar algum traço familiar em um ambiente estranho? Ou isso seria decorrente do fato de essas mulheres terem pouco contato com os italianos e não estarem de fato integradas no país? Independentemente disso, as protagonistas não ficam alheias aos seus direitos e procuram se integrar na nova sociedade utilizando diversas estratégias como aprender o idioma e, algumas até buscam participação política nos espaços disponíveis a elas.

Ainda que não se conheçam pessoalmente, suas histórias estão conectadas pelo fato de toda elas terem migrado para a Itália e lidarem com o dia-a-dia e os desafios que essa decisão envolve. Martini classifica-as em quatro tipos de acordo com as motivações que as levaram a imigrar. São elas as pioneiras (pioniere) que migraram por necessidades de suas famílias e enviam remessas a elas; as reunificadas (ricongiunte) que são as que vão para a Itália para reencontrar suas famílias ou por causa do casamento; as independentes (intraprendenti) que migram por conta própria por causa de aventura ou em busca de melhores condições de vida e as refugiadas (rifugiate) que fogem de seus países por causa de guerras e perseguições.

A maternidade também conecta essas mulheres. Se tornar mãe em um país estrangeiro envolve diversas decisões que não teriam que ser tomadas no país de origem. As mães se veem longe de suas redes familiares com pouca capacidade de contar com apoio em um lugar em que nem sempre compreendem a língua e os costumes e onde, por vezes, não estão com sua situação migratória regularizada. Além disso, outras decisões devem ser tomadas por essas mulheres: como criar seus filhos, em que língua falar, quais ritos e costumes serão seguidos, se seria melhor enviá-los ao seu país de origem para que eles sejam criados com a cultura local, que tipo de comida preparar, qual será a cidadania do filho no futuro e se um dia a família retornará ou não para seu Estado originário. Ainda que cada uma das migrantes responda a esses questionamentos de uma determinada forma, eles estão presentes de alguma forma em todos os testemunhos. Como coloca Martini em seu ensaio final, a maternidade na Itália impede que essas mulheres possam desempenhar todos os costumes por elas aprendidos em suas terras natais, dessa forma seus papéis de mediadoras culturais são ainda mais necessários. Ao mesmo tempo a autora afirma que o fato de essas mulheres decidirem ter filhos na Itália representa a esperança que elas depositam no futuro.

As reflexões colocadas pela obra, assim como as 21 vozes dessas personagens, são uma importante contribuição para visibilizar a mulher migrante e seus papéis na sociedade, da própria ótica desse grupo. Como afirma Martini, esse é o tipo de livro que não permite ao leitor fechá-lo e seguir com sua vida como se nada tivesse acontecido. Esse mesmo esforço poderia ter sido feito no Brasil. Haitianas, chinesas e bolivianas que chegam ao solo brasileiro também se deparam com as mesmas questões enfrentadas pelas migrantes na Itália. Permanece uma última reflexão: será que o Brasil consegue realmente enxergar e ouvir as vozes dessas mulheres tão necessárias para nossa vida, economia e para a formação de nossa identidade? Infelizmente a resposta ainda é não.

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    Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), Rio de Janeiro, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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